Questões relevantes
1) As objecções levantadas pelo Tribunal de Contas (TC) para esta sequência de vetos à construção das novas auto-estradas são suficientes para justificar estas decisões?
2) No futuro, quais as medidas que devem ser tomadas para prevenir a ocorrência de situações como esta?
3) Tendo presente as críticas do TC quanto à disparidade de encargos para o Estado em relação aos custos a cargo dos consórcios, faz sentido manter as parcerias público-privadas como modelo preferencial no sector das obras públicas?
4) Este pacote de vetos às auto-estradas deverá levar a um redesenhar do formato dos concursos públicos para o TGV e o novo aeroporto?
5) Perante os números expressivos do desemprego e do défice, a prossecução de grandes obras públicas é um risco ou uma oportunidade?
6) Sendo Portugal um dos países da UE com mais quilómetros de auto-estrada por habitante, em que medida o bloqueio a este novo programa de rodovias é grave para o desenvolvimento do País?
As respostas
João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
‘Querem mais tempo para inaugurações, alarguem as legislaturas’
1) Tenho pelo Tribunal de Contas o maior respeito e espero dele o cumprimento da legalidade dentro do maior espírito de independência. Os recentes pareceres do Tribunal de Contas dão nota deste espírito, embora se possa por vezes questionar em que medida a sua actuação acabe por ser contrária ao desenvolvimento económico. Mas se for essa a questão, mudem-se então as leis e as competências e não se critique o Tribunal por estar a desempenhar com independência e rigor as suas actuais funções. O que dizer do polícia que vê os carros estacionados em cima do
passeio e não faz nada? Há sinais de trânsito que permitem o estacionamento em cima do passeio! Então usem-nos!
Do mesmo modo o TC devem actuar dentro do limite das suas competências. Se não o querem a actuar assim, eliminem-no ou mudem-lhe as competências.
2) Mais zelo e menos aceleração no desenvolvimento dos processos. Sei que muitas vezes os governos querem acelerar obras para chegarem a eleições com muitas inaugurações. Mas devem contar com isso no calendário eleitoral. E se querem mais tempo para fazer obra alarguem as legislaturas.
3) Pode fazer. Depende. Se há uma má experiência que se mostra errada deve corrigir-se. O que me parece quanto às PPP é que não se está a avaliar bem o valor dessas parcerias por parte do Estado. Só isso. O conceito é bom, mas parece-me insuficientemente estudado e avaliado.
4) Claro! Nas actuais PPP o que tem sido desenhado é um modelo em que o Estado garante sempre o negócio e o reembolso do financiamento mesmo que seja feito por privados. Ora nesse caso o que está a suceder para os privados é que têm estado a ter benefícios potenciais sem os riscos adequados. O EStado está a vender opções de venda e os privados estão a ter investimentos muito interessantes. Faz sentido? As PPPs tal como têm estado a ser desenhadas são autênticos produtos derivados e não me parece que nos governos tenham os especialistas nessa área. Assim, parece-me ser fácil prever um desequilíbrio de informação, desfavorável a um dos lados. E neste caso o Estado.
5) É uma oportunidade para avaliar de modo descomprometido, qual o impacto esperado de cada uma e qual o efeito global de todo o conjunto, elaborar uma ordenação de prioridades, e activar a realização de obra pública dentro das nossas possibilidades. Ainda não vi isso. O que tenho visto é uma análise fragmentada e individual de cada obra, como se só existisse uma, aquela. Para absorver emprego há muita obra de recuperação a fazer e que não acarretam sucessivos encargos futuros nem autofagia de projectos já elaborados.
6) Só por via das compensações indemnizatórias que cuido serem elevadas pelo que me fazem saber… Os contratos estão bem artilhados por parte de quem os constrói… Acham por acaso que, tirando casos muito excepcioanis, é a ausência
das auto-estradas que inibe a actividade empresarial de se localizar em Portugal? Se alguem pensa assim é porque nunca de cá saiu, nem comparou as vantagens de produzir melhor, de modo mais eficiente, mais disciplinado e mais barato noutros mercados. Pergunte à China ou à Índia se foram as auto-estradas que cativaram o investimento internacional…
Luís Nazaré, gestor e ex-presidente da Autoridade Nacional das Comunicações
‘Tribunal de Contas deve descer à terra’
1) Dentro do registo estático e rígido que o TC pratica, os chumbos não surpreendem. A questão que não pode deixar de ser colocada é saber se as regras de actuação deste órgão fiscalizador são as melhores. No meu entender, não são. A lentidão processual, a falta de capacidade de comunicação e a insensibilidade ao contexto provocam graves efeitos de atrofia na acção dos decisores públicos. Sem prejuízo do rigor e da lei, o TC tem de descer à terra. Como poderá alegar desconhecer a alteração das condições do mercado financeiro entre o momento da apresentação dos dossiês e a decisão de veto (largos meses após)? E, se de desconhecimento não se tratou, como se compreende que não tenha tido a iniciativa de avançar com a solução óbvia – fazer respeitar os custos de construção e de exploração entre a primeira e a segunda fases, exceptuando ou imputando ao concedente (Estradas de Portugal) a variável financeira associada ao project finance? Espera-se agora que o bom senso prevaleça e que ambas as entidades saibam encontrar uma solução que, a um tempo, acautele os interesses do Estado e lhe preserve a honorabilidade, sem causar prejuízo à parte que tem vindo a cumprir as obrigações contratadas – as empresas sub-concessionárias, cujas obras estão já em curso. Caso contrário, temo o pior.
2) Em primeiro lugar, regras claras e decisões ágeis. As sub-concessões viárias mobilizam vastos recursos empresariais – financeiros, técnicos e humanos. Não são concursos de beleza. Face à rigidez do sistema e do funcionamento do TC, prevejo que os mecanismos futuros passem por um aligeiramento das regras do jogo e pela introdução de uns “comparadores públicos”, forçosamente carregados de subjectividade, para TC ver. Em segundo lugar, bom senso e capacidade de diálogo entre instituições públicas. Afinal, todas servem um mesmo ente – o Estado. Ou será que não?
3) Depende. A virtude das parcerias público-privadas (PPP) assenta sobretudo na eficiência da gestão privada no que respeita ao financiamento e à exploração dos projectos. O que não significa que as experiências sejam sempre positivas. De um modo geral, são-no, desde que as condições contratuais sejam cuidadosamente estabelecidas. Se a variável política é determinante no que respeita ao mérito do investimento, já a escolha da modalidade de exploração deve obedecer a critérios de índole económica.
4) Nos restantes – alta-velocidade Lisboa-Porto e Alcochete -, tudo está em aberto. Para lá das esquisitices do TC e das particularidades do mecanismo de privatização da ANA, há todo um modelo técnico a repensar face à evidência recente. Sugiro uma visita às práticas espanholas e francesas sobre a matéria.
5) Ambos. Toda a oportunidade transporta um risco, como bem sabemos. Se, na dúvida, se pretende sacrificar o futuro e dar o benefício exclusivo à redução da dívida pública, pare-se o investimento. Se, com um risco controlado, quisermos reforçar os nossos factores de competitividade territorial, avancemos com os investimentos estratégicos – a alta-velocidade e o novo aeroporto. São caros e acarretam encargos de manutenção para as gerações vindouras? Sem dúvida. Mas estão por inventar modalidades alternativas. Não é só o futuro longínquo que agradece. Num horizonte próximo, o TGV e o novo aeroporto criarão mais de 120 mil novos postos de trabalho e garantirão a sobrevivência de centenas de pequenas e médias empresas nacionais. Renovar escolas e restaurar monumentos são tarefas de manutenção imperiosas, mas de reduzido impacto económico e social. Uma simples empreitada num troço de TGV ou em Alcochete vale dez vezes mais empregos duráveis do que a renovação de todas as escolas carenciadas do país.
6) As estatísticas de produção nacional quanto aos quilómetros de auto-estrada por habitante ou por superfície estão falseadas. A nossa vizinha Espanha, por exemplo, conta com uma extensão de rodovias de quatro faixas duas vezes superior ao referenciado.E se, neste capítulo, estivéssemos acima da média europeia (o que está por provar)? Num país periférico, de orografia complexa e carente de factores de atractividade, quais deveriam ser as nossas apostas estratégicas?
António Nogueira Leite, economista, ex-secretário de Estado do Tesouro e administrador da Brisa
‘TC rejeita consequências da crise’
1) Creio que não. O Tribunal fixou-se numa posição confortável, mas meramente formal, que o faz rejeitar liminarmente as consequências da crise financeira internacional, sem precedentes nos últimos 80 anos e a subsequente emergência de uma crise também económica que, em conjunto, alteraram, de facto, as condições de financamento destes projectos. Entre muitos outros factores que o Tribunal de Contas preferiu ignorar estão: a exigência pelos mutuantes de spreads muito mais elevados, a imposição pela banca de estruturas de capital muito mais exigentes e a acrescida escassez de bancos (nomeadamente internacionais) disponíveis para tomar financiamento nestes projectos. A nível internacional houve muitos bancos que abandonaram o sector. Quanto às questões da ausência de comparador público e aprovações ambientais incompletas, também me parece haver exagero por parte do TC. No primeiro caso, é bom que se saiba que nunca houve comparador público nas concessões rodoviárias e nunca o TC deixou de aprovar os projectos. Só para referir os casos mais recentes, as concessões da Grande Lisboa, do Douro Litoral e do Túnel do Marão não tiveram comparador público e estão em pleno desenvolvimento (em obras ou já abertas à circulação). No que se refere àsaprovações ambientais incompletas, os pedaços que não tinham declaração de impacte ambiental (DIA) à data do lançamento dos concursos e que não receberam DIA favorável ao longo desses processos, foram retirados do objecto das concessões. Por isso, sendo formalmente verdade que a DIA não estava completa, nalguns dos projectos, à data de lançamento dos concursos, também o é que tal facto não teve qualquer impacto substancial nem prejudicou de alguma forma o interesse público ou o princípio da concorrência.
2) No que respeita ao comparador público e à aprovação ambiental completa, assegurar que todos os concursos têm esses aspectos tratados ex-ante. É fácil e pode, apenas, atrasar um ou outro lançamento. No que se refere à ocorrência de situações excepcionais, como a crise financeira mundial deve-se esperar que o TC seja mais razoável na compreensão da realidade. Do mesmo modo, deve-se esperar que o Governo use estes dados na calendarização das suas opções. É expectável que uma crise como esta produza um julgamento de oportunidade por parte do concedente
3) Essa disparidade, de facto, não existe. Em primeiro lugar, porque o Estado passa a totalidade dos riscos de construção e de financiamento para os promotores ou financiadores privados. A questão da transferência do risco de procura (de tráfego) para os privados merece um pouco mais de atenção. O Estado deixou para o fim as AEs com menos procura, por serem as menos prioritárias. Estas, por terem menos procura, geram menos proveitos através de portagens (outra evidência). Ora o Governo escolheu, manter o princípio do utilizador-pagador, i.e. decidiu manter portagens em todos os troços a construir em perfil de AE. Só que, nestes casos, as portagens pagas pelos utilizadores não chegam para remunerar a construção, financiamento e operação destas vias, pelo que o Estado tem que complementar esses montantes (pagos através de portagens) com os fundos em falta. Podia pagar subsídios à construção ou à operação, mas escolheu pagar a través de taxas de disponibilidade, pois, assim, ainda passa o risco de disponibilidade para os provados.Tudo isto é contratado com uma taxa de rentabilidade que é fixada no momento incial e que é conhecida e aceitável por padrões internacionais. Mais uma vez, o que está em causa, não é tanto o processo mas sobretudo a opção política de construir estas AEs com os encargos que vão gerar no futuro e com um taxa de rendibilidade social, essa sim, totalmente questionável. Aqui, quem deveria ser questionado era a entidade que produziu tais estudos e quem lhe deu cobertura politica.
4) Redesenhar o formato do concurso para o novo aeroporto parece difícil, porque ele ainda não foi desenhado (ou pelos menos não é conhecido esse eventual hipotético desenho). Quanto ao do TGV não parece necessário, pois a generalidade dos procedimentos a que o TC alude já existiam no formato (diferente do das estradas) das PPPs para a alta velocidade.
5) É um risco se não se tratar de obras prioritárias e uma oportunidade se corresponderem a vencer estrangulamentos ao nosso desenvolvimento. Um novo aeroporto em Lisboa encontra-se claramento no último caso; uma terceira AE entre Lisboa e o Porto (como parte da concessão das Auto-Estradas do Centro promete) é um exemplo ainda mais claro de um erro do primeiro tipo.
6) Seria muito grave se levasse à paragem dos concursos já adjudicados, pois acarretaria custos absurdamente expressivos de indemnização e compensação aos consórcios e bancos financiadores envolvidos e destruiria, provavelmente por muitos e longos anos a reputação e credibilidade de Portugal enquanto destino de investimento privado (nacional e internacional). Parece, contudo, que este momento cria uma nova oportunidade para parar e reflectir sobre a urgência dos projectos que estariam para ser lançados ou que ainda estão em fase de concurso. Quanto a esses, parece obrigatório revêr prioridades e racionalizar esforços e meios.
Fernando Nunes da Silva – Vereador da Câmara de Lisboa e engenheiro de transportes
‘Mais auto-estradas são parolice política’
1) Há que distinguir duas ordens de questões. Uma tem a ver com a “gestão” financeira do contrato de sub-concessão, em relação à qual os argumentos apresentados pelas Estradas de Portugal (EP) podem ser compreensíveis face à actual conjuntura económica e financeira do país e do mercado de capitais. O que porventura se justifica esclarecer quanto a este aspecto são os pressupostos e os parâmetros que foram renegociados e quais as suas conseqências para o erário público.
A segunda questão é mais complexa e transcende, de certo modo, a própria empresa EP. Trata-se do modelo de PPP (Parceria Público/Privado) seguido, onde parece que os riscos ficam todos do lado do Estado e os benefícios são quase exclusivos das empresas concessionárias. Mas para que esta situação seja corrigida, há que alterar a própria lei …
2) Desde logo, como referimos anteriormente, modificar a lei que regula os contratos de concessão em regime de PPP. Depois é necessário que as adjudicações só se processem depois do espaço canal estar todo na posse do Estado ou da entidade concedente (neste caso a EP) e do estudo de impacte ambiental estiver aprovado, de forma a ser possível atribuir a respectiva licença ambiental ao projecto em causa. Sem que estas condições estejam reunidas, nomeadamente quando a responsabilidade das expropriações é do concedente, o rersultado normal é que a empresa concessionária não pode avançar com a obra adjudicada e recebe indemnizações por isso. É como se ganhasse duas vezes, sendo que a primeira começa logo antes da próprias obra …
3) Creio que já respondi nos pontos anteriores. O conceito de PPP não é mau em si mesmo para o Estado, mas entre nós o interesse público não tem sido devidamente acautelado e duvido que, se porventura o fosse, as empresas privadas de obras públicas continuassem a estar interessadas neste tipo de parcerias.
4) Bem gostaria que assim fosse. Mas como estas PPP foram gizadas para transferir dinheiro do Estado para as empresas privadas – de forma a reconstruir um tecido empresarial nacional com alguma possibilidade de se internacionalizar – não vejo que tal venha a acontecer. No quadro actual o que interessa é o montante da transferência desses fundos e não tanto a sua racionalidade e eficiência. Quanto mais as empresas receberem melhor. Haja impostos que as paguem …
5) Não são as grandes obras públicas que vão melhorar o índice de emprego em relação aos que hoje estão desempregados. A intervenção desconcentrada na reabilitação urbana e nas redes de infra-estruturas (rodoviárias, ferroviárias ligeiras e de saneamento) locais e regionais, permitiria um arranque económico muito mais rápido e sustentável.
6) A continuação da construção de auto-estradas é apenas uma questão de parolice política e a submissão do Estado a interesse corporativos e decapelinhas locais – que continuam a dominar os principais partidos políticos. A única excepção será a ligação do porto e zona industrial de Sines à fronteira espanhola. Tudo o resto, poderia e deveria ser resolvido, em termos de acessibilidade, através de estradas regionais.