José Sócrates acabou de responder ao nosso inquérito poucos minutos antes de discursar em Leiria, na noite de terça-feira, 15. Manuela Ferreira Leite, por sua vez, aproveitou o voo Lisboa-Ponta Delgada, no domingo, 13, para se dar a conhecer de uma forma diferente.
É curioso verificar as semelhanças entre estas duas personalidades tão diferentes e que não perdem uma oportunidade para sublinhar essas diferenças. Nem Sócrates nem Ferreira Leite admitem ter sentido fascínio por outros políticos. Evitam, quase da mesma forma, uma opinião sobre um caso concreto de eutanásia. Nenhum gosta da ideia, americana, da eleição directa de magistrados. Ela não suporta “imensos” programas de televisão. Ele prefere não dizer quais. Os dois guardam o dia 24 para comprar as prendas de Natal.
As diferenças são, igualmente, assinaláveis. Para começar, divergem sobre o significado, em política, da mentira e da omissão. Depois, enquanto Sócrates prefere ver filmes na televisão, Manuela não perde o ténis no Eurosport. As viagens que lhes ficaram na memória são, também elas, reveladoras: ela, ao Vaticano, numa visita a João Paulo II; ele, a África, com os filhos. Ela, ao contrário dele, não concorda com a adopção de crianças por casais do mesmo sexo. Ele aconselha à sua adversária a leitura de Pessoa (O Livro do Desassossego), ela não sugere nada: “Desconheço os seus gostos.”
1. Qual a brincadeira favorita em criança?
MFL: Brincar com os irmãos.
JS: Do que me lembro, andar de bicicleta.
2. Qual a nota mais alta que teve na escola e em que disciplina?
MFL: 19,8 em Matemática.
JS: Tive 18 e 19 a muitas disciplinas.
3. E a mais baixa?
MFL: Sei lá.
JS: Não me lembro; mas foram raras.
4. Qual o professor que mais o marcou?
MFL: A minha avó materna.
JS: O professor Cerdeira, meu professor primário, que recordo com saudade.
5. Em que momento da sua vida sentiu o clic pela política?
MFL: Não foi um clic, foi um sentido de responsabilidade.
JS: Essa do clic sempre me pareceu uma ideia um pouco pueril. Todavia, tal como para muitos da minha geração, o 25 de Abril.
6. Alguma vez foi multado por excesso de velocidade ou desrespeito a um sinal de trânsito?
MFL: Sim, lembro-me de, numa acção no distrito de Évora, ter sido multada por excesso de velocidade porque ia a 80 km/hora.
JS: Sou, como toda a gente, “humano, demasiado humano”.
7. Qual a guloseima a que não resiste?
MFL: Chocolate
JS: Resisto às vezes e cedo às vezes, como toda a gente.
8. Em casa janta com a TV ligada ou desligada?
MFL: Depende.
JS: Desligada, sempre que é possível.
9. Quais os canais de TV por cabo que mais aprecia?
MFL: Ténis, no Eurosport.
JS: Canais de filmes.
10. Qual o programa de TV que pura e simplesmente não suporta?
MFL: Imensos.
JS: Não digo.
11. Qual o filme da sua vida?
MFL: Vários.
JS: Há muitos. Mas neste momento recordo uma das mais belas histórias de amor contadas no cinema: História Imortal [1968, realizado por Orson Welles].
12. Qual o último livro que leu?
MFL: A Liderança Segundo John F. Kennedy, de John A. Barnes.
JS: A Máscara do Comando, de John Keegan.
13. Qual o livro que recomendaria ao seu maior adversário nestas eleições?
MFL: Desconheço os seus gostos.
JS: O Livro do Desassossego [de Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa].
14. Que tipo de música ouve, no carro ou em casa?
MFL: Música ligeira variada e música clássica.
JS: Oiço pouca música. Mas a que ouço com mais prazer é a música rock dos anos 60 e 70.
15. Qual a viagem mais marcante que já fez?
MFL: Visita ao Papa João Paulo II, no Vaticano.
JS: África, com os meus filhos.
16. E a que está por fazer?
MFL: Repetir uma viagem à Noruega.
JS: “A volta ao mundo em 80 dias”.
17. Identifica-se mais com a Maçonaria ou com o Opus Dei?
MFL: Não me identifico.
JS: Não é questão que ponha a mim próprio.
18. O facto de a Igreja Católica ser a que tem mais fiéis, faz com que o Estado a tenha de tratar de forma diferente do que trata outras confissões?
MFL: Não existe nenhuma. querela religiosa em Portugal
JS: Tratar de forma diferente o que é diferente é praticar a igualdade.
19. Qual a decisão de que mais se orgulha enquanto político?
MFL: Não faço esse tipo de análise
JS: A decisão de nunca virar. a cara à responsabilidade de decidir.
20. E do que mais se arrepende?
MFL: Não faço esse tipo de análise.
JS: O arrependimento em política é a desculpa de quem espera a compaixão. Coisa muito diferente é ser o primeiro a reconhecer os erros com realismo e com humildade.
21. Qual a medida política, para si, há muito adiada e que tomará de imediato se for eleita primeira-ministra?
MFL: Infelizmente não há medidas isoladas susceptíveis de resolverem os problemas do País.
JS: Só responder a inquéritos com 10 questões.
22. Qual o político mais fascinante que já conheceu?
MFL: Fascinante?
JS: “Fascinante” não se aplica.
23. O tema da regionalização deve voltar a ser discutido na próxima legislatura?
MFL: Neste momento não me parece que seja uma das prioridades.
JS: Em democracia não há temas-tabu.
24. Concorda com a adopção de crianças por parte de casais homossexuais?
MFL: Não.
JS: Concordo, e proponho a alteração legal que permitirá o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
25. Um tetraplégico que só consiga mexer a cabeça deve ser mantido vivo, mesmo que deseje expressamente morrer?
MFL: Assunto demasiado sério para abordar desta forma.
JS: Responder a esta questão de forma breve e simplista seria irresponsável.
26. Os 94 milhões de euros que o Real Madrid pagou por Ronaldo são um valor aceitável ou obsceno?
MFL: Pergunte às partes envolvidas
JS: Não aprecio a inveja social e muito menos o moralismo
27. A ASAE é para ser mantida tal como está?
MFL: Tudo é susceptível de ser melhorado
JS: Sim. Temos finalmente uma defesa do consumidor eficaz e reconhecida.
28. Em política, omitir e mentir é a mesma coisa?
MFL: Se for para enganar as pessoas é igualmente inaceitável.
JS: Omitir e mentir nunca são a mesma coisa, nem em política nem em qualquer outro domínio.
29. Que extravagância faria se ganhasse o Euromilhões?
MFL: Muitas.
JS: Nunca joguei. Nunca pensei nisso.
30. Qual o colunista/ /comentador que mais aprecia?
MFL: Marcelo Rebelo de Sousa.
JS: Muitos. Ocorrem-me cinco nomes: Vital Moreira, Miguel Sousa Tavares, Rui Ramos, Ferreira Fernandes. E tenho saudades do Mário Mesquita.
31. Qual a crítica mais injusta que já lhe fizeram?
MFL: Sei lá, já perdi a conta.
JS: O ressentimento faz as pessoas infelizes.
32. E o reparo mais justo?
MFL: Guardo-o para mim.
JS: Tenho ouvido muitos. Os que mais apreciei vieram de gente simples e humilde. Não tenho a vaidade da falsa modéstia.
33. Valeu a pena nacionalizar o BPN?
MFL: Não era a única opção.
JS: A nacionalização foi a melhor forma de defender o interesse público, as poupanças das famílias portuguesas e a credibilidade do sistema financeiro português.
34. O facto de os homens continuarem a ganhar em média mais do que as mulheres nas mesmas funções é uma inevitabilidade cultural ou é um escândalo?
MFL: É uma realidade que deve ser ultrapassada.
JS: Ambas as coisas. Mas nenhuma delas é uma inevitabilidade. Está na nossa mão mudar essa realidade.
35. O Estado deve financiar todos os projectos culturais ou só aqueles que sejam apelativos para o grande público?
MFL: Depende do projecto em causa.
JS: O dever do Estado é garantir o acesso dos cidadãos à Cultura.
36. Da última vez que precisou, recorreu a um hospital público ou privado?
MFL: Acho que foi um hospital público.
JS: A última vez que precisei fui a dois: um público, o Hospital de Santo António, no Porto, e um privado, o da CUF, onde trabalha o meu médico de sempre.
37. O recurso a centenas de médicos e enfermeiros espanhóis, sul-americanos e outros é uma prática desejável ou antes o reflexo de uma má política formadora de clínicos portugueses?
MFL: É resultado de erros de política e do mundo global em que vivemos.
JS: O essencial é resolver o problema, não é andar à procura de bodes expiatórios.
38. Aceita a clonagem para fins terapêuticos?
MFL: Assunto que merece séria ponderação.
JS: Uma vez mais, esta pergunta não tem uma resposta nem breve nem simplista.
39. Defende que a idade de responsabilidade penal deve ser inferior a 16 anos ou manter-se como está?
MFL: Deve manter-se como está.
JS: Como está, está bem.
40. Alargar a videovigilância a bairros problemáticos ajudará a controlar os índices de criminalidade?
MFL: A videovigilância é certamente um instrumento útil.
JS: Uma boa política de segurança exige sempre uma aposta na prevenção.
41. Revê-se de alguma forma no conceito americano segundo o qual “juízes, procuradores e chefes policiais são eleitos pelo povo ou nomeados pelo poder político?
MFL: Não é a nossa tradição
JS: Não.
42. Uma pessoa que mude cinco vezes de telemóvel por ano é um gastador irresponsável ou é, antes, alguém que faz bem em estar actualizado com os últimos modelos?
MFL: É com certeza muito distraído.
JS: Não tenho inclinação para ser juiz do comportamento dos outros.
43. Descobre que o seu melhor amigo ou um familiar cometeu um crime. Denuncia-o?
MFL: Felizmente nunca passei por essa situação.
JS: De novo, dar respostas simplistas a questões éticas é uma atitude pouco séria.
44. O aeroporto da Portela vai mesmo ficar saturado ou esse é um mito de que se fala há anos?
MFL: Será bom sinal se vier a ficar saturado.
JS: Vai ficar saturado mais depressa do que pensamos. É só ler os estudos, mesmo os mais conservadores.
45. Costuma fazer as compras de Natal com semanas de antecedência ou deixa tudo para o último dia?
MFL: Um dia 24 sem compras não é Natal.
JS: Nada melhor do que a sensação do último dia; são as prendas escolhidas com mais afecto e emoção.
46. E com a entrega do IRS?
MFL: Cumpro os prazos.
JS: Nesta matéria, quanto mais cedo melhor. É como a dor de dentes: o melhor é tratá-la logo.
47. Se a Irlanda mantiver o seu “não” ao Tratado de Lisboa, o que é que seria desejável que sucedesse?
MFL: O “sim”.
JS: O tratado de Lisboa vai ser ratificado.
48. Se os EUA pedirem o envio de tropas portuguesas para o Afeganistão, isso deverá acontecer?
MFL: A nossa participação é feita no contexto da NATO.
JS: A questão não está em os EUA pedirem ou não. A intervenção no Afeganistão desenvolveu-se no âmbito da NATO, aliança de que somos fundadores.
49. O que é que nunca faria para conquistar um voto?
MFL: Faltar à verdade.
JS: Voltar a responder a questionários de 50 perguntas, uff…
50. De que guarda mais saudades do tempo em que era uma anónima?
MFL: Ser anónima.
JS: Guardo isso só para mim, se não se importam.