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Pedro Camacho: “O inimigo mora ao lado”
Jerónimo de Sousa e Manuela Ferreira Leite protagonizaram o debate mais lado-a-lado que alguma vez vimos deste que começaram estes frente-a-frente para as legislativas. São duas estradas que, de facto, nunca se cruzam. Tocam-se muito ao de leve, pontualmente, e sentem que nem vale a pena o trabalho, inútil, de se afastarem mais do que já estão.
Para PCP e PSD, o inimigo é mesmo outro, e não vale a pena estar a gastar energias no combate errado. Nesta série de debates parece ter existido, mais uma vez, aquele acordo tácito para que ninguém entrasse em grandes hostilidades. Se não foi assim, deu ares disso: pareceu, quase do princípio ao fim, um par de monólogos, alternados e bem educados, de reafirmação das posições próprias de cada um. Só mesmo muito pontualmente assistimos a confronto dinâmico de posições. E, seguramente, menos vezes do que aquelas em que os dois líderes tiveram na sua mira a gestão socialista.
Jerónimo de Sousa reafirmou a necessidade de aumentar a contribuição fiscal daqueles que mais ganham, não só as fortunas pessoais mas também as grandes empresa, acusando-as de asfixiarem o tecido empresarial mais frágil e as próprias famílias.
Manuela Ferreira Leite fugiu à questão específica da tributação dos ricos, mas afirmou taxativamente que o que já há em Portugal é o excesso de impostos, um facto que penaliza a economia. No seu entender, o caminho terá de ser o oposto.
A líder social-democrata elegeu mesmo o trabalho como primeira prioridade, e defendeu a redução da carga fiscal para estimular o investimento empresarial, única forma de salvar o tecido empresarial e a capacidade de criação e manutenção de empregos.
Jerónimo de Sousa partilha a preocupação do desemprego, mas afirma que a solução está nos apoios às micros e pequenas empresas, dando-lhes crédito e factores de produção, como a energia, a valores mais acessíveis.
Mais perto de merecer o título de “surpreendente” esteve o apoio convicto de Jerónimo de Sousa ao projecto do TGV. E não foi apenas pelo facto de, ideologicamente, o PCP subscrever todo e qualquer tipo de investimento público. Foi mesmo porque travar liminarmente o TGV significava isolar o país, de forma inaceitável, do resto da Europa.
Da mesma maneira, Ferreira Leite surpreendeu ao afirmar, de forma igualmente taxativa, que a prioridade é o emprego e não o controlo do défice, “desclassificando” o rigor orçamental para o patamar de “preocupação central e permanente”.
Mas surpreendeu sobretudo ao insistir na tese de que no Continente a democracia está sob ameaça do Governo totalitário de Sócrates, enquanto na Madeira não há vestígios de falta de democracia, antes pelo contrário. Como diziam os clássicos, errar faz parte da condição humana – mas não me lembro nunca de ter visto, seja onde for, que insistir no erro seja uma qualidade digna de nota num líder.
Este foi, aliás, o único ponto de verdadeira confrontação neste debate. Não entre Ferreira Leite e Jerónimo de Sousa. Nem mesmo entre Ferreira Leite e o ausente Sócrates. Foi sobretudo entre Ferreira Leite e o seu alter ego, que, qual fantasma deste teatro eleitoral, insiste em aparecer inesperadamente sspara assombrar a campanha da líder social-democrata.
José Carlos de Vasconcelos: “Um debate frouxo, em que MFL foi a pior”
Foi o mais frouxo e decerto o mais desinteressante de todos os debates, este entre os líderes do PSD e do PCP. Além de não terem um qualquer eleitorado comum, para ganhar ou perder, Manuela Ferreira Leite (MFL) e Jerónimo de Sousa (JS) são os “debatedores” menos vivos — o segundo não tanto pelas suas características pessoais, como por não estar muito à vontade naquela postura que a si próprio se impôs, como já aqui assinalei, de afastar qualquer eventual imagem de radicalismo, agressividade ou similar. O que bem se compreende, mas me parece que Jerónimo levou demasiado longe: ele, que tem na “autenticidade” um dos seus trunfos, às vezes nem parece ele, na pouco combatividade e na forma como fala (por exemplo, neste debate, na forma como se referiu à Madeira).
Não obstante, creio que foi o melhor,no debate que, a ter de haver um vencedor, ganhou. Ao contrário do que aconteceu com Louçã, no qual, face ao expectável, até se saiu bem, ou relativamente bem, hoje MFL foi muito fraca, frágil, em alguns temas confusa, se não contraditória. Desde a forma como recusou qualquer aumento de taxação no sistema financeiro, mesmo havendo lucros fabulosos, relacionando tal recusa com a necessidade do combate ao desemprego e de apoios sociais (mas donde vem o dinheiro, se à partida se recusa qualquer hipótese de o ir buscar também onde ele mais existe?), até à insistência na “asfixia democrática” no Continente, com o Governo do PS, em contraste com a situção que se vive na Madeira, com Alberto João Jardim. Os portugueses não são parvos nem andam tão distraídos que seja possível isto não constituir um grande “tiro no pé” da líder so PSD, quando ainda por cima se reclama da Verdade e de um política de Verdade…
Jerónimo denunciou, bem, do seu ponto vista e numa perspectiva de esquerda, um ou outro aspecto do programa do PSD que tende apenas ou sobretudo a valorizar o investimento e o sector privado face ao público. Porventura com base no Compromisso Portugal onde o PSD foi buscar, disse ele, JS, a ideia da avaliação dos juízes e sua diferente remuneração: um dos pontos do programa em que MFL nitidamente se pôs ne defensiva, para não dizer pura e simplesmente que “recuou”.
E uma das raras “tiradas” de JS na linha das que se lhe conhecem, ao longo de uma longa actividade parlamentar, aconteceu quando MFL, fazendo a defesa da maior “flexibilidade” da legislação laboral (despedimentos, horários, contratação colectiva) como necessária para o combate ao desemprego, respondeu que “no tempo da escrevatura havia trabalho, o que não havia era direitos”…