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Filipe Luís: “Inglaterra zero, Itália 1”
Enfim, um debate! Perante uma discussão tão estimulante, viva, cordata, mas com argumentos, corajosa, com diferenças assumidas, o jantar pode esperar. Pode esperar o tinto particular da Estremadura e o frango caseiro na púcara, as maçãs do pomar e o queijo de Castelo Branco. Um debate assim é para assistir com uma cerveja ao lado. Como no futebol
Estes debates entre os líderes partidários, que nos têm servido à hora do jantar, já parecem um mundial de futebol. De manhã, levantamo-nos, consultamos o jornal e verificamos qual é o jogo de logo à noite. Ainda ontem assistiramos a um Costa Rica-Austrália. Hoje, porém, sabíamos que tínhamos um Inglaterra-Itália. E o jogo confirmou. A Inglaterra (Francisco Louçã) jogou, jogou, atacou, atacou, pressionou, dominou – mas a Itália (José Sócrates), fechada no seu catinaccio, manhosa, prudente, cínica, fez um contra-ataque, foi uma vez à baliza, marcou um grande golo e ganhou o jogo.
Oportunidades de golo
Francisco Louçã desfez a ideia de maioria absoluta como sinónimo de governabilidade. E, para isso, usou a artilharia toda: a instabilidade com os professores. “A maioria absoluta arrasou a governabilidade”. E prosseguiu, citando o próprio José Sócrates e recitando uma frase cinéfila: “Eu sei o que fizeste no verão passado”. E continua a ter oportunidades flagrantes de golo: “Na esquerda é preciso coerência e um bom primeiro-ministro”. E ainda: “A esquerda tem de ter uma só palavra e é isso que nos distingue”. Mas os centrais da Itália jogam em bloco. Sócrates está à defesa e vai rechaçando os remates: “No final do dia ganho eu ou a dra. Manuela Ferreira Leite”. Ou: “É extraordinário que, ao longo desta campanha, Francisco Louçã tenha feito do PS e de mim o seu inimigo principal”. E ainda: “Candidato-me para vencer a direita, não o Bloco de Esquerda”.
Equilíbrio a meio campo
Lentamente, o jogo equilibra-se. José Sócrates faz o primeiro ataque, com a questão das nacionalizações. Louçã entra, pela primeira vez à defesa. Defende-se bem, com a questão da GALP e das concessões à Mota Engil. O líder do Bloco de Esquerda leva casos concretos ao debate, contra o estilo mais parabólico de Sócrates. Uma discussão ao estilo dos Gato Fedorento (o papel, qual papel?) sobre uma adjudicação que “foi feita, não foi feita, foi feita sim senhor, não foi feita não senhor, resulta numa fase de anti-jogo e bolas para o pinhal. Mas algo está para acontecer…
Golo da Itália
Apanhando os “centrais” em contra-pé, a Itália faz uma jogada com o tema da fiscalidade. José Sócrates pega no programa eleitoral do Bloco de Esquerda e desata a descascá-lo. Põe a nu as propostas estatizantes do BE, com o fim dos benefícios fiscais, no PPR, nas despesas de Saúde, nas despesas de Educação. Afinal, O BE tem de ir buscar dinheiro a algum lado para impor certas políticas. Sócrates mostra aonde: vai-nos ao bolso, nas poupanças e nos descontos do IRS! Os comunistas já não comem criancinhas ao pequeno-almoço: acabam com as deduções da classe média! Com instinto matador, o líder do PS não larga o osso. O sorriso amarelo de Louçã denuncia surpresa e embaraço. No meio de uma explicação que contorna o tema, Louçã diz que não quer um regime fiscal cheio de “esquinas e armadilhas”. O eleitor médio não percebe bem o que quer dizer: está a atirar-se para o chão, a pedir falta…
Bola à barra
Louçã atira uma bola ao ferro, com a denúncia da inauguração fraudulenta do hospital de Seia, em que se devolveram as camas ao fornecedor, depois da fita cortada. Mas é um faits divers insuficiente para recuperar. Sócrates aproveita a última intervenção para explorar as contradições de Manuela Ferreira Leite, feliz e contente na Madeira, ao lado de Alberto João, depois de tanto falar de asfixia democrática no Continente. Nesta altura, a Itália (Sócrates) já está com a cabeça no jogo da final. Sábado, dia 12, contra a Alemanha (de Manuela Ferreira Leite)…
José Carlos de Vasconcelos: “Marcar diferenças, definir territórios”
Pode parecer estranho, mas julgo que não é, explica-se com facilidade e não por questões relacionadas com a personalidade e as idiossincracias dos líderes dos dois partidos, que não obstante também para isso podem ter contribuído: o debate entre José Sócrates e Francisco Louçã foi o mais conflitual de todos até agora realizados porque o BE quer aumentar o seu score eleitoral fundamentalmente conquistando votantes do PS nas legislativas de 2004, e o PS teme perder votantes, à esquerda, sobretudo para o BE.
Isto explica, designadamente, que Sócrates colocasse especial ênfase na ideia, em que como é natural tem insistido, de que só ele ou Manuela Ferreira Leite podem ser primeiros-ministros, deixando uma vez mais implícito o apelo ao “voto útil” e insinuando que o voto no BE ou no PCP pode contribuir para levar o PSD ao Governo. E explica que Louçã entrasse a jogar forte nas diferenças entre os dois partidos, e a dar estocadas no seu oponente, em especial com conhecidos exemplos concretos que lhe são caros e em relação aos quais entende terem sido ou serem mais frágeis, vulneráveis, as posições do Governo e do PS (casos da Galp, em que insistiu demasiado, da adjudicação directa do terminal de contentores de Alcântara à Mota-Engil – de Jorge Coelho, farpeou – por 45 anos, de um novo troço da auto-estrada, etc.).
Assim, Louçã começou por pôr Sócrates à defesa, e este só conseguiu tomar a iniciativa, e passar ao contra-ataque, com a questão das nacionalizações defendidas pelo BE, e contra as quais frontalmente se manifestou, e sobretudo com o fim das isenções fiscais para os PPRs, despesas de Saúde e Educação, etc., propugnado no programa do Bloco. A explicação teórica de Louçã compreende-se, tem coerência, mas aqui o primeiro-ministro ganhou, sem margem para dúvida, em especial naquele segmento a que nitidamente se quis dirigir, para “conquistar”, ou manter: a classe média.
Aliás, tudo visto, e resumindo, deixando de lado outras “farpas” como as da “recaída ideológica” (no extremismo, de que Sócrates acusou Louçã, talvez com algum resultado, mandando-lhe Louçã a boca de que se fosse ele, Sócrates, a recais, seria bem pior…), ambos terão julgado conseguir o que de fundamental desejavam – mas eu julgo que Sócrates, apesar de certos embaraços e não ter dado resposta cabal àqueles “casos”, conseguiu mais. A saber: Louçã acentuar as diferenças, mantendo a ideia de que o PS nas políticas económicas, fiscais e até sociais é direita, para conquistar o eleitorado mais à esquerda que em 2004 votou PS, e parte do qual nas últimas europeias já terá votado Bloco; Sócrates segurar os não radicais e manter o centro-esquerda da chamada “classe média” porventura hesitante entre PS e BE .
No que ambos estiveram de acordo foi em, no final, atirarem sobre Manuela Ferreira Leite, após a sua desastrosa ida à Madeira elogiar o “democrata” Jardim e as suas liberdades, quando aqui no continente fala de “asfixia democrática”!