O The New York Times teve acesso a mais de quatro mil chamadas telefónicas, intercetadas em março, entre dezenas de soldados russos que estavam a combater na Ucrânia e seus familiares e amigos.
A equipa de jornalistas autenticou-as através do cruzamento de números com aplicações de mensagens, contas de meios de comunicação social e bases de dados russas. “Alguns soldados disseram os seus nomes ou o seu número de unidade”, sublinhou no Twitter o jornalista Evan Hill.
No trabalho multimédia agora publicado, constata-se que a moral dos militares russos era muito baixa logo aos primeiros dias da invasão da Ucrânia. E que os crimes de guerra se sucediam, em Bucha e arredores.
As conversas são francas e a linguagem, gráfica, não pede ajuda à imaginação.
CADÁVERES POR TODO O LADO
Nikita à sua parceira:
– Foda-se. Há cadáveres espalhados por todo o lado na estrada. Os civis estão para ali deitados. É fodido.
– Mesmo na estrada?
– Sim.
CIVIS ABATIDOS
Sergey para namorada:
– Detivemo-los, despimo-los e verificámos todas as suas roupas. Depois teve de ser tomada a decisão de os deixarmos ir ou não. Se os deixássemos ir, eles poderiam denunciar a nossa posição. Por isso, foi decidido abatê-los na floresta.
– Mataste-os?
– Claro que os matámos.
– Por que não os fizeram prisioneiros?
– Teríamos de os alimentar, e nós próprios não temos comida suficiente.
Sergey à mãe:
– Existe uma floresta onde se encontra a sede da divisão. Fui lá e vi um mar de cadáveres em roupa civil. Um mar. Nunca vi tantos cadáveres na minha vida.
Sergey para namorada:
– Disseram-nos que, para onde vamos, há muitos civis a andar por aí. E deram-nos a ordem de matar todos os que vemos.
– Porquê?
– Porque podem denunciar as nossas posições. É isso que vamos fazer, ao que parece. Matar qualquer civil que passe por aqui e arrastá-lo para a floresta. Já me tornei um assassino. É por isso que não quero matar mais pessoas, especialmente as que vou ter de olhar nos olhos.
NÃO SABIAM AO QUE IAM
Sergey à mãe:
– Ninguém nos disse que íamos para a guerra. Avisaram-nos um dia antes de partirmos.
Nikita a um amigo:
– Todos nós íamos para uma formação de dois ou três dias.
– Mano, eu compreendo.
– Fomos todos enganados como miúdos.
UMA GUERRA ESTÚPIDA
Sergey à mãe:
– Mãe, esta guerra é a decisão mais estúpida que o nosso governo alguma vez tomou.
Aleksandr:
– Não podemos tomar Kyiv. Só tomamos aldeias, e é isso.
Roman para desconhecido:
– Há muito equipamento abandonado?
– Aqui é tudo antigo. Não é moderno, como mostram na Zvezda [televisão estatal].
MORTOS ENTRE ELES
Yegor a um familiar:
– Vocês têm perdas?
– Só do meu regimento, um terço.
Sergey à mãe:
– Havia 400 pára-quedistas. E apenas 38 deles sobreviveram. Porque os nossos comandantes enviaram soldados para o massacre.
Parceira de Ivan:
– Vanya, os caixões continuam a chegar. Estamos a enterrar um homem atrás do outro. Isto é um pesadelo.
CHEFIAS FRACAS
Sergey para a namorada:
– O nosso novo general foi afastado porque houve demasiadas perdas sob a sua liderança.
– Estou constantemente a pensar na porra da sorte que tenho por conseguir sobreviver aqui. Por causa das ordens de um idiota de merda. Enquanto conduzíamos a nossa coluna, quase fomos emboscados duas vezes.
AS PILHAGENS
Nikita a um amigo:
– Foi tudo saqueado. O álcool foi todo bebido. E o dinheiro foi todo levado. Está toda a gente a fazer isso.
Sergey para a namorada:
– Que televisão queres? LG ou Samsung?
– Seryozha, como é que a vais trazer?
– Bem, nós vamos arranjar uma maneira.
– Que diabo, cada um de vocês leva uma televisão?
– Não é só as televisões. Dois tipos levaram televisores do tamanho da nossa maldita cama.
– Não vão ser castigados por isso? Isso não é pilhagem?