Recolha de votos porta-a-porta, soldados armados a escoltar urnas móveis e transparentes, escolha feita sem privacidade, à vista de todos os presentes. Estão em marcha, desde esta sexta-feira, 23, os “referendos” de iniciativa russa tendo em vista a anexação dos territórios ucranianos ocupados nas regiões de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaroríjia, no Leste e no Sul da Ucrânia.
A comunidade internacional já anunciou que jamais reconhecerá os resultados destas consultas populares – apelidadas de “falsas”, “ilegais”, “obscenas” e “inaceitáveis” por vários líderes mundiais -, mas nada impedirá a Rússia de as realizar, numa estratégia em tudo idêntica à que levou à anexação da Crimeia, em 2014, quando levou a cabo um “referendo” depois de ter invadido a região.
É a resposta de Vlamidir Putin à contraofensiva ucraniana no terreno que, recentemente, permitiu a recuperação de toda a região ocupada de Kharkiv e obrigou as forças invasoras a recuarem em Kherson. Desta forma, como o líder russo avisou a meio da semana, se a Ucrânia tentar reconquistar território naquelas regiões, estará efetivamente a atacar a Rússia, que assim se sentirá legitimada para recorrer “a todos os meios” ao seu dispor, inclusive a armas nucleares, para repelir uma “ameaça à integridade territorial”. Foi este o discurso de Putin na passada quarta-feira, 21, e o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, já veio entretanto indicar que o processo de integração na Rússia será rápido, após a contagem dos votos.
Ninguém no Ocidente aceita esta lógica, tendo os ucranianos garantido que os resultados dos “referendos” em nada vão alterar a estratégia de recuperação dos territórios perdidos. Da mesma forma, ninguém no Ocidente ou na Ucrânia acredita noutro resultado que não o do “sim” à anexação dos territórios nas quatro regiões parcialmente ocupadas. Em 1991, quando os ucranianos foram chamados a referendar a independência da URSS, 90% da população de Kherson e de Zaporíjia votou a favor, enquanto 84% responderam no mesmo sentido em Donetsk e em Lugansk.
A legitimidade dos atuais “referendos” fica ferida por várias razões. Desde logo, porque as regiões em causa estão em guerra e muitos dos seus habitantes fugiram. Mas, além disso, vídeos que circulam desde ontem nas redes sociais mostram como muitos ucranianos estão a ser condicionados na hora de dizerem “sim” ou “não” à anexação pela Rússia.
Neste vídeo, na região de Zaporíjia, veem-se dois soldados armados a acompanhar funcionárias eleitorais, num prédio habitacional.
Aqui, uma eleitora pergunta onde deve colocar a cruz.
Neste exemplo, a votação decorre na entrada de um prédio, com um militar armado à porta.
Nesta urna em Melitopol, é possível ver como aquilo que devia ser uma escolha secreta fica à vista de toda a gente.
Nem sempre os ucranianos abrem a porta, como se pode ver em mais um vídeo que mostra as chamadas urnas móveis.
Os “referendos” decorrem até à próxima terça-feira, 27.