“Os dados do Ministério da Defesa contêm muitos erros, não se encaixam nas regras de aritmética, e contradizem a geografia e o senso comum.” Esta é a conclusão dos jornalistas de investigação do site Proekt (Projeto), depois de avaliarem minuciosamente todos os briefings diários do Kremlin sobre a “operação militar especial”, apresentados pelo porta-voz do ministério, o tenente-general Igor Konashenkov.
A análise começa com uma conta que não bate certo logo na primeira tarde de guerra, a 24 de fevereiro. Konashenkov garante que foram destruídos 74 alvos de infraestrutura militar ucraniana em terra, “incluindo 11 aeródromos, quatro drones Bayraktar, 18 estações de radar, três postos de comando, uma base naval e um helicóptero”. Somando tudo, dá 37. Os jornalistas admitem que esta “primeira inconsistência ainda pode ser explicada pela ocultação de pormenores, [mas] os erros subsequentes dificilmente se podem atribuir a isso”.
Uma das incongruências mais comuns é a quantidade de vezes que a mesma localidade é dada como conquistada pelas tropas russas. Nos primeiros dias de guerra, Igor Konashenkov referia, em média, oito localidades capturadas por dia. Se não havia sucessos suficientes, repetia-se o nome de vilas mencionadas antes, na expectativa de que ninguém se lembrasse que já haviam integrado briefings anteriores, explica o artigo.
Resultado: 21 localidades foram capturadas duas vezes, outras três, três vezes, e uma delas, Kremennaya, foi mesmo tomada quatro vezes. É possível que, pelo menos em alguns destes casos, a mesma povoação tenha sido reconquistada pela Ucrânia e, depois, novamente tomada pela Rússia. No entanto, como o porta-voz do Ministério da Defesa nunca refere que essas vilas e aldeias tinham sido perdidas entretanto, a mensagem que passa é que são sempre novos avanços territoriais.
As inconsistências geográficas não se ficam por aqui. A 6 de março, Igor Konashenkov anunciou a conquista da vila de Zakablukhovka – que não existe. Mapas militares antigos, dos anos 1980, referem um local chamado Zakablukhovka, mas surge como um local desabitado. Dos mapas modernos (incluindo o Google Maps) não consta qualquer local com este nome.
O tenente-coronel também informa, a 17 de abril, que as forças russas abateram um drone ucraniano nas imediações da vila de “Preobrazhenskoye, na região de Pavlograd”. Mas, apesar de haver algumas povoações com o nome Preobrazhenskoye, não existe nenhuma região chamada Pavlograd. Há uma cidade chamada Pavlograd, sim, no oblast de Dnipropetrovsk – mas não há nenhuma Preobrazhenskoye nessa zona.
Além da geografia, também a matemática parece ser um desafio para o Kremlin. A 9 de maio, o importante Dia da Vitória, Konashenkov fez dois briefings: no da tarde, anunciou que tinham sido abatidos dois helicópteros, elevando o total de helicópteros ucranianos destruídos para “118 unidades”; no briefing seguinte, à noite, corrigiu a informação, dizendo que tinham sido aniquilados, afinal, seis helicópteros, não dois. Mas, em vez de subtrair dois aos 118 antes de somar seis, limitou-se a somar esses seis aos 118. Assim, em vez de 122 aparelhos, o total de helicópteros destruídos passou para 124.
A acreditar nestes dados, a Rússia, no início de maio, já teria abatido quase todos os helicópteros ucranianos, tendo em conta que o próprio Ministério da Defesa russo diz que a Ucrânia, no início da guerra, possuía 149 aparelhos. Sobrariam, então, apenas 25 helicópteros. Não parece ser uma informação muito credível, uma vez que ainda hoje continuam a surgir dezenas de imagens de helicópteros ucranianos em missão.
Mas é mais plausível do que os números de baixas de aviões ucranianos. Segundo Igor Konashenkov, a 26 de junho a Rússia abateu o 215º caça da Força Aérea Ucraniana – o que corresponde a mais 63 aparelhos do que o próprio Ministério da Defesa da Rússia diz que a Ucrânia tinha no início da guerra (152, de acordo com o Primeiro Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Federação Russa, o coronel-general Sergei Rudskoy).
Recorde-se que nenhum país cedeu, pelo menos por enquanto, qualquer avião de combate à Ucrânia.