Segundo uma nova investigação patrocinada pelo governo do Reino Unido, a ‘fábrica de trolls’ informáticos ligada à infame Internet Research Agency (IRA), uma empresa próxima do Kremlin que se dedica a espalhar desinformação pró-russa nas redes sociais, está ativamente a tentar influenciar a opinião pública em torno da invasão à Ucrânia.
A IRA, que opera através de um espaço arrendado numa fábrica de material militar na cidade de São Petersburgo, é alegadamente detida por Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo de 60 anos que é mais conhecido como o “chefe de Putin”.
Após ter estado preso durante 9 anos por roubo, fraude e envolvimento numa rede de prostituição de menores, Prigozhin começou a carreira como cozinheiro, quando abriu, nos anos 90, um pequeno restaurante de cachorros-quentes em São Petersburgo. A partir de aí, a sua subida foi vertiginosa, e deveu-se sobretudo à relação pessoal que iria eventualmente formar com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Conheceram-se quando Putin foi jantar ao “Restaurante Nova Ilha”, um restaurante de luxo que Prigozhin abriu num barco em desuso atracado nas margens do rio neva, em São Petersburgo. Putin tornou-se cliente habitual e chegou a organizar jantares oficiais no restaurante, onde levou, entre outros altos dignitários internacionais, o ex-presidente francês Jacques Chirac e o ex-presidente norte-americano George W. Bush, em 2001 e 2002, respetivamente.
Por essa altura, o “chefe de Putin” já era um homem de negócios com enorme sucesso, tendo já uma série de restaurantes entre Moscovo e São Petersburgo e tendo fundado, em 1996, uma empresa de ‘catering’ chamada Concord Catering, através da qual, aliás, viria a ganhar grande parte da sua fortuna. Putin identificou-se com Prigozhim e a sua história de vida, e foi atribuindo às suas empresas contratos estatais progressivamente mais volumosos, uma série de negócios que culminou em 2012, quando o antigo cozinheiro de cachorros-quentes assinou um contrato com um valor de 1,5 mil milhões de euros para fornecer 90% da alimentação do exército russo.
O império de Prigozhim continuou a crescer depois disso, e alargou-se para outros setores, como a defesa ou a exploração petrolífera. Nesse sentido, existem relatos que Prigozhim será um dos principais financiadores do grupo Wagner, um grupo de mercenários russos que atua sobretudo em África e no Médio-Oriente, e que estará a beneficiar de uma percentagem dos lucros relativos ao petróleo da Síria, em troco da proteção de algumas plataformas.
Contudo, de entre o portfólio de ativos de Prigozhim, a empresa que tem gerado mais discussão é mesmo a já referida Internet Research Agency. Já sobre a mira dos EUA, o oligarca recusou efusivamente ter algo a ver com a IRA e com as suas atividades nas redes sociais, dizendo que “os americanos são pessoas muito impressionáveis e veem o que querem ver”. No entanto, a justificação não parece ter convencido as autoridades norte-americanas, que o acusaram, e à sua suposta ‘quinta de trolls’ digitais, de tentar interferir na eleição presidencial de 2016 – através da difusão de notícias falsas sobre a então candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton. Mais recentemente, em 2018, o gabinete do FBI em Washington emitiu um mandato para a captura de Prigozhim, acusando-o de “estar alegadamente envolvido numa conspiração para defraudar os EUA” e oferecendo “uma recompensa de até 250 mil dólares” por qualquer informação que leve à sua detenção.
A mais recente missão da ‘fábrica de trolls’
De acordo com o relatório subsidiado pelo Reino Unido, os trabalhadores da IRA estão a atingir várias contas de agências de notícias ocidentais e figuras públicas internacionais, entre elas o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, o chanceler alemão Olaf Scholz e o músico francês David Guetta.
A principal estratégia passa não só por financiar vários ‘influencers’ nas redes sociais, especialmente no Instagram, YouTube e Tiktok, para que estes amplifiquem e partilhem narrativas pró-russas, mas também por inundar as secções de comentários de grandes jornais e canais de televisão ocidentais com declarações pró-Putin e pró-guerra. Além disso, a ‘fábrica de trolls’ de São Petersburgo dedica-se ainda a ampliar comentários de utilizadores genuínos que promovam ou apoiem o ponto-de-vista do Kremlin, evitando, desta forma algumas das medidas implementadas pelas plataformas digitais para combater a desinformação.
Um antigo colaborador da IRA, através de um testemunho dado no ano passado à Radio Free Europe/Radio Liberty, descreve uma operação complexa e um ambiente de trabalho “distópico”, com um ritmo “exigente”, acrescentando ainda que terá recebido um salário de 40 mil rublos mensais (526 euros), correspondendo a mais de 5 vezes o salário mínimo russo, e que os seus superiores esperavam que publicasse 120 comentários por dia, ao longo dos seus turnos de 11 horas.
Em resposta às conclusões avançadas pela investigação, Liz Truss, a chefe de diplomacia do Reino Unido, diz que “não podemos permitir que o Kremlin e as suas ‘quintas de trolls’ invadam os nossos espaços online com as suas mentiras sobre a guerra ilegal de Putin” e que “o governo do Reino Unido alertou os seus parceiros no exterior e continuará a trabalhar com aliados e plataformas ‘online’ para combater as operações de propaganda russas”.