A guerra na Ucrânia incentivou os países da UE a cortarem relações com a Rússia enquanto parte de um conjunto vasto de sanções que têm sido dirigidas ao país e a alguns dos seus cidadãos mais ricos. Um dos laços mais difíceis de romper tem sido o da dependência do gás e petróleo russo, importado por múltiplos países da UE e representativo, em certos casos, de mais de 50% das suas demandas. A procura por possíveis substitutos tem, por isso, sido uma tarefa de grande importância junto dos governos que se vêem pressionados não só a abandonar os negócios mantidos com a Rússia, mas também a apostar em energias renováveis que contribuam para as metas estabelecidas na COP26, realizada em 2021.
A Rússia é, atualmente, a detentora das maiores reservas de gás natural do mundo, seguida pelo Irão e Catar. Metade de todas a reservas de gás natural do mundo estão, inclusive, concentradas nestes três países. Em 2021, o gás russo correspondia a 45% de todas as importações da União Europeia e a 40% de todo o seu consumo de gás, segundo dados do relatório da Agência Internacional de Energia (AIE). A Europa é, de facto, dos principais clientes da indústria de gás russo com países como a Bielorrússia, Bósnia Herzegovina, Noruega e Sérvia a importarem a grande maioria do seu gás da Rússia e países como a Itália a serem responsáveis por um quarto da todas as exportações de gás natural do país.
Também na indústria de petróleo a Rússia assume um papel de destaque sendo a “maior exportadora mundial de petróleo para os mercados globais e a segunda maior exportadora de petróleo bruto atrás da Arábia Saudita”, como realça um outro relatório da AIE. A UE é, também aqui, uma importante cliente da indústria russa, representando 60% de todas as suas exportações e pagando diariamente cerca de 260 milhões de euros em importações de petróleo russo, segundo um relatório publicado pela organização Transport & Environment (T&E).
Existe, portanto, uma grande dependência da Rússia por parte da Europa no que toca a gás natural e petróleo, dependência essa que se agrava quando é tido em conta que, em 2020, cerca de um quarto de toda a energia europeia disponível tinha origem no gás natural e um terço no petróleo, de acordo com dados da Eurostat, o gabinete de Estatísticas da União Europeia. Assim sendo, e posto isto, adquirir independência do gás russo assume-se como um processo complexo, nomeadamente tendo em conta que fica por preencher uma grande falha na oferta.
Várias entidades já vieram falar publicamente sobre a temática da dependência europeia e vários países da UE têm procurado reduzir as suas importações da Rússia. Tanto a Comissão Europeia como a AIE consideram ser fundamental o corte de relações com a Rússia pelo que ambas já propuseram medidas para a promoção da independência energética da Rússia e ambas procuraram ter em conta as metas de sustentabilidade estabelecidas.
Em comunicado, Fatih Birol, diretor executivo da AIE salientou: “A Europa precisa de reduzir rapidamente o papel dominante da Rússia nos seus mercados de energia e aumentar as alternativas o mais rápido possível”. Estas alternativas incluem, idealmente, energias renováveis que possam ir substituindo o uso de combustíveis fósseis, mas também a “diversificação dos fornecedores de gás”, como indica o plano REPowerEU da EU.
Na busca por parceiros alternativos, o continente africano e o Médio Oriente podem ser escolhas viáveis não apenas enquanto fornecedores de gás natural, mas também enquanto fornecedores de energia renovável. A propósito da guerra na Ucrânia, países como a Argélia ou o Azerbaijão têm assumido um papel de maior destaque junto dos mercados europeus enquanto fornecedores de energia e têm ajudado a preencher as falhas deixadas pela diminuição das importações de gás russo na procura. Portugal, por exemplo, tem como um dos seus principais fornecedores de petróleo Angola. Terão os países africanos e do Médio Oriente o potencial para substituir a Rússia no mercado elétrico?
Gás natural e petróleo
O continente africano e a zona do Médio Oriente têm provado ser regiões promissoras no que toca ao gás natural e ao petróleo, nomeadamente depois de um conjunto de descobertas recentes, alguma delas datando apenas a 2021, de poços de petróleo e gás natural, como relata a Energy Capital & Power (ECP), “uma plataforma de investimento líder a nível global com foco no setor de energia africano”.
“Além do seu potencial solar e hidroelétrico verde, África pode emergir como a próxima fronteira mundial para a exploração de hidrocarbonetos, à medida que os desenvolvimentos na Ucrânia e na Rússia aumentam a demanda por petróleo e gás não russos. Somente em 2021, petróleo e gás foram descobertos em Angola, Namíbia, Gana, Costa do Marfim, Egito, África do Sul e Zimbábue”, escreve num relatório o Instituto de Estudos de Segurança (IES).
O investimento neste tipo de energia será, portanto, uma grande aposta futura por parte dos governos destas regiões, pelo que rapidamente estas matérias primas se tornarão mais acessíveis para importação. A curto prazo, e para uma rápida resposta à crise energética que veio da guerra na Ucrânia, a Europa pode procurar o apoio do Norte de África, “bem posicionado”, como explica num artigo a cofundadora da ECP. A Argélia, por exemplo, tem visto as suas exportações de petróleo aumentarem não apenas atualmente, mas mesmo antes do período da guerra.
Também o Egito tem vindo a crescer no mercado energético, nomeadamente depois da descoberta de três depósitos de petróleo e gás natural e o começo de vários projetos de energia nacionais. Outras iniciativas em países da África ocidental e austral, como Moçambique ou a Mauritânia podem, a médio-longo prazo ser alternativas energéticas para a Europa com projetos de grande investimento previstos para 2025 e 2023, respetivamente. A Nigéria também conta com novos projetos e deverá ver, de acordo com a Câmara Africana de Energia, um crescimento da oferta até 2025.
As oportunidades parecem existir, mas algum investimento precisaria de ser feito para que o continente africano possa assegurar parte da procura europeia por energia, nomeadamente em gasodutos capazes de ligar os dois continentes, como é o caso do gasoduto trans-sariano que liga a Nigéria à Europa, o gasoduto Maghreb-Europa que liga a Argélia a Espanha e que, entretanto, viu as sua atividades suspensas devido a uma crie diplomática com Marrocos, por onde o gasoduto também passa, o gasoduto Medgaz que, por sua vez, assumiu todas as trocas entre a Argélia e Espanha e o gasoduto Greenstream que liga a Líbia à Itália.
O transporte de energia, neste caso no formato de gás natural ou petróleo, pode ser feito de duas formas: através de gasodutos, que garantem a segurança do abastecimento a um custo mais baixo, embora menos rápido, ou através de transportadoras de gás natural liquefeito (GNL), que disponibilizam o produto num mercado global, mas a um custo mais alto. Os gasodutos são, posto isto, uma melhor alternativa a nível financeiro, embora não estejam a ser tidos em conta outros gastos.
O investimento em gasodutos permitiria que o continente africano assegurasse alguma da procura sentida na Europa, embora alguns observadores internacionais questionem se essas medidas responderiam às necessidades sentidas agora na Europa. “Os países do norte da África fornecem, atualmente, gás natural à Europa através de gasodutos (Argélia, Líbia), mas não têm a capacidade técnica de aumentar a produção e a exportação. A Europa não pode contar com abastecimentos adicionais desses países para substituir o gás russo. O GNL africano, como o nigeriano, pode desempenhar um papel importante, mas isso dependerá da rapidez com que esses países possam aumentar a sua produção e capacidade de liquefação. Em todos os casos, é difícil antever volumes adicionais [de gás] disponíveis para a Europa no curto prazo”, comentou, em resposta à Euronews, Simone Tagliapietra, investigador da Bruegel, uma organização especializada em economia com muitos tópicos de pesquisa, incluindo a energia.
Ainda assim, países como Itália e Espanha já assinaram acordos que visam aumentar as exportações de petróleo e gás de países como a Argélia, razão pela qual o investimento em gasodutos que ligam estes dois pontos poderiam, pelo menos a longo prazo, garantir alguma independência da energia russa. No caso espanhol, quase 45% do seu gás é, segundo a Euronews, de origem argelina, sendo entregue através do gasoduto Medgaz, cuja capacidade, embora mais reduzida do que a do gasoduto agora fechado de Maghrebe-Europa, aumentará depois de um investimento de 73 milhões de euros que procura expandi-lo. A expansão já foi, entretanto, concluída, os testes de pressão realizados e falta apenas iniciar as trocas.
De acordo com o jornal catalão “La Vanguardia”, citado pela Euronews, a NATO estará a avaliar a possibilidade de construir um outro gasoduto que forneça gás argelino e gás natural liquefeito ao mercado europeu, atravessando a Península Ibérica. O projeto já havia sido considerado no passado, mas não avançou sob o pretexto de ter baixa rentabilidade e não ir de encontro à crescente preferência por energias renováveis, no entanto, hoje, e tendo em conta a situação frágil do mercado energético europeu, voltou a ser avaliada a necessidade desta infraestrutura. Se o projeto avançar, a Península Ibérica pode tornar-se numa “plataforma de distribuição” e armazenar gás em Espanha e Portugal.
Também o gasoduto Trans-Adriático, que liga o Azerbaijão à Europa, está a ser considerado como uma peça essencial do puzzle com a UE a querer que este país aumenta as exportações de gás de 8 milhões de metros cúbicos para 10 milhões.
Atualmente, a UE está ainda a trabalhar num projeto intitulado EastMed, um gasoduto que irá conectar a rede europeia aos campos de gás offshore descobertos no Chipre, Israel e no Egito, como realça a Euronews. Espera-se que os trabalhos no EastMed estejam concluídos até 2027, tal como no Poseidon, o gasoduto que se conectará ao EastMEd a partir da Grécia e de Itália.
Vários investimentos estão a ser feitos e o continente africano e região do Médio Oriente começam a ser consideradas como alternativas ao gás russo. Este investimento seria benéfico para ambas as partes, dado que permitiria a vários países destas regiões desenvolver os seus mercados energéticos. O continente africano já havia pedido, inclusive, no passado investimentos internacionais no setor energético, pelo que a atual necessidade da UE em atingir independência energética da Rússia poderia ser, para os mesmos, uma oportunidade. A decisão da UE em rotular certos projetos nucleares e de gás como verdes também tem beneficiado o continente já que permite aumentar as injeções de capital em África.
Ainda assim, as regiões do Médio Oriente e continente africano não se limitam a ser fontes de gás e petróleo, escondendo nas suas fronteiras várias oportunidades para outros tipos de energia, nomeadamente eólica e solar.
As energias verdes
Com as alterações climáticas a serem, cada vez mais, um tópico central nas decisões internacionais e à medida que uma pressão crescente se vai fazendo sentir para que sejam reduzidas as emissões de gases de efeito de estufa e cumpridas as diretrizes definidas na COP26, vários países têm procurado ir reduzindo as suas importações de, por exemplo, petróleo, apostando em energias renováveis como energia eólica, solar ou hídrica.
A guerra na Ucrânia tem levado países de todo o mundo a reduzir a sua dependência do gás russo, considerando um substituto mais sustentável. As regiões do Médio Oriente e continente africano podem ser peças-chave também na transição energética, ainda que, para isso, seja necessário um investimento internacional.
Embora o continente africano e o Médio Oriente estejam entre os locais com mais exposição solar no mundo, a maioria dos países da região ainda não chega perto das capacidades de geração de energia solar per capita da Europa. Em 2020, a EU produziu 810 quilowatts de energia numa hora por pessoa enquanto que os dois líderes regionais em energia solar, Marrocos e Arábia Saudita, produziram apenas 106 e 74, respetivamente.
Apesar de existir, em alguns casos, a vontade de explorar as energias sustentáveis, a situação de instabilidade política e económica dos países traduz-se em atrasos e obstáculos a este tipo de investimentos. Nações como o Iraque, Líbano ou Iémen enfrentam, atualmente, momentos de grande instabilidade, pelo que, apesar do seu potencial para produzir energia sustentável, não investem neste setor.
No caso do Iémen, por exemplo, e uma vez que a guerra levou ao colapso da rede pública e eletricidade, a população é obrigada a procurar alternativas energéticas, razão pela qual mais de metade da população usa energia solar descentralizada de acordo com dados da ONG Energy Access and Development Program (EADP) com sede em Berlim. O país tem, segundo a organização, o potencial para gerar grandes quantidades de energia sustentável, embora seja antes necessário o envolvimento de atores e ajudas internacionais.
Ainda assim, alguns países têm-se revelado bem-sucedidos na instalação de energia solar a um nível nacional, com vários países do Médio Oriente a caminharem na direção daquele que já foi nomeado de boom de energia solar. Estes países encontram-se geralmente em situações de maior estabilidade, mas ainda assim à procura de oportunidades de crescimento.
“Retomar e ampliar projetos solares no norte da África poderia substituir totalmente o gás russo como fonte de energia europeia. De facto, a invasão da Ucrânia pela Rússia poderia desencadear um renascimento energético africano que poderia ultrapassar o uso de combustíveis fósseis na Europa e na África. Também poderia estimular e diversificar as economias estagnadas do norte da África e tornar comercialmente viáveis grandes projetos, como o esquema hidrelétrico Grand Inga da República Democrática do Congo (RDC)”, escreve o IES.
As fazendas solares no Sahara são o exemplo de um dos projetos que poderia aumentar as quantidades de energia sustentável disponíveis no mercado internacional. Segundo o relatório da IES, “o Saara poderia suprimir quatro vezes a demanda energética atual do mundo. Mesmo uma fração disso poderia substituir a energia das importações de gás russas”.
As energias renováveis têm sido vistas como oportunidades por parte de vários países exportadores de petróleo que desejam diversificar o seu negócio e acompanhar a crescente preocupação climática dos países. Alguns locais como os Emirados Árabes Unidos (EAU) oferecem não só petróleo e gás natural como alternativas mais sustentáveis, nomeadamente energia solar. Em 2020, os EAU foram um dos maiores produtores mundiais de energia solar, produzindo mais de mil quilowatts-hora de energia per capita. Também Marrocos tem apostado na energia sustentável, assim como Omã que contou, inclusive, com a ajuda financeira de países vizinhos.
A Rússia pode ser um obstáculo
A procura por substitutos do gás russo tem, de facto, aumentado, mas, do ponto de vista da energia sustentável, a Rússia pode ser um obstáculo ao crescimento do setor, como sugere, em resposta à DW, Li-Chen Sim, membro do Middle East Institute.
Várias empresas russas e ucranianas desempenham um papel significativo nos sistemas de energias renováveis dado que contribuem com matérias-primas essenciais ao funcionamento dos mesmos, nomeadamente aço, alumínio, cobalto, níquel, néon e paládio. Surge, desta forma, uma dualidade: embora o interesse europeu em investir em energias renováveis esteja a aumentar, a produção desse tipo de energias fica comprometida.
Ainda assim, Sim garante que existe interesse por parte da Europa em investir em projetos de energia sustentável. “Não faltam projetos e presumo que o interesse esteja a crescer”, explica. Estes não estarão, no entanto, prontos a curto prazo pelo que a Europa continua a sua busca por substitutos do gás russo, com Árica e o Médio Oriente a apresentarem-se como candidatos, a curto prazo com gás e petróleo e longo prazo com energias mais sustentáveis.