Ao longo destes cinco dias de invasão da Ucrânia, a União Europeia já avançou com várias sanções que vão desde o congelamento de ativos financeiros, exclusão dos bancos do sistema SWIFT, até à contenção dos depósitos bancários das elites daquele país no estrangeiro. Mas não tomou qualquer medida que afetasse aquele que é uma das maiores fontes de receita daquele país: o gás natural.
Na passada sexta-feira, os gráficos apresentados pela gestora da rede de gás ucraniana mostravam que o fluxo de gás da Rússia para a União Europeia tinha crescido cerca de 40% no dia 24 de fevereiro, quando começou a invasão. Já nesta semana, a Gazprom, o gigante russo deste setor, admitiu que as exportações de gás para a Europa continuavam “ao nível esperado”.
Os analistas dizem que o grande aumento que se registou de importação de gás da Rússia no dia da invasão esteve relacionado com a grande subida dos preços deste produto por parte dos outros países fornecedores. Um analista da Bloomberg afirmou no dia seguinte à invasão que “os preços do gás não-russo estavam muito acima dos praticados pela Gazprom”.
Cerca de um quarto de toda a energia consumida na Europa vem do gás natural e a Rússia fornece anualmente entre 150 a 190 mil milhões de metros cúbicos deste produto, cerca de 40% do total do gás consumido no espaço comunitário.
Segundo a Bloomberg, no ano passado, a Gazprom foi responsável pela venda de um terço de todo o gás que entrou na Europa, num negócio total de 90 mil milhões de euros, quase metade do PIB português.
E há países mais dependentes que outros. Por exemplo, a Alemanha, a maior economia da Europa, compra à Rússia cerca dois terços do gás natural que consome. Ao longo dos últimos anos, este país tem vindo a diminuir a produção energética das suas centrais nucleares, substituindo-a por gás natural que é trazido pelo gasoduto Nord Stream 1. Aliás, a Alemanha estava atualmente a iniciar a construção do Nord Stream 2, um novo gasoduto que iria trazer mais gás da Rússia, projeto que ficou suspenso logo no dia seguinte à invasão da Ucrânia. Suspendeu, mas não o cancelou.
Se um corte das importações de gás poderia ser muito problemáticas para a Alemanha, pior seriam para países como a República Checa ou a Letônia que dependem a 100% desta energia oriunda da Rússia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen já veio garantir que a União Europeia está preparada para qualquer interrupção que se venha a sentir nas importações de gás.
Este não é o caso de Portugal que importa a grande maioria do gás natural da Nigéria e dos EUA. Em 2021, apenas compramos à Rússia 10% do gás consumido no País. Mas isto não quer dizer que Portugal não seja afetada caso o gás russo deixasse de entrar na Europa. Nesse caso, a grande procura por parte dos outros países iria provocar um aumento do preço.
Quanto à possível escalada dos preços da energia, que já vinham a subir ao longo deste inverno, o Governo português anunciou que está a preparar um conjunto de medidas para atenuar a subida dos preços da eletricidade, gás natural e combustíveis. Entre estas está uma transferência de 150 milhões de euros para o Fundo Ambiental que pretende “compensar” aos consumidores as subidas dos preços no mercado grossista. Em entrevista à RTP 3, no domingo, João Galamba, secretário de Estado da Energia, disse que estes apoios financeiros estarão também muito focados nas indústrias mais dependentes do gás natural, como a cerâmica, o vidro e parte do setor têxtil.
De qualquer modo, o governante garantiu que, para já, não está em causa o abastecimento energético do País. Segundo o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, Portugal tem as suas reservas de gás a 79% da sua capacidade. Já no caso dos combustíveis, as reservas existentes garantem o consumo nacional, pelo menos, durante 90 dias.
A União Europeia tem um plano energético ambicioso que prevê acabar atingir a neutralidade carbónica até 2050, o que vai obrigar a grandes investimentos em energias renováveis por parte de todos os Estados membros. Atualmente, as renováveis apenas representam 18% do consumo energético do espaço comunitário. Face a esta “impotência” que a União Europeia sentiu em aplicar sanções à Rússia que atingissem uma das suas maiores fontes de receita, o gás natural, este plano poderá ser totalmente revisto e acelerado.