Desde o primeiro ataque russo à Ucrânia na madrugada de quinta-feira passada que várias imagens e vídeos do conflito têm ocupado redes sociais como o Twitter, Facebook ou TikTok. Numa era em que a câmara dos smartphones é uma ferramenta de comunicação dominante e amplamente acessível, é importante garantir que não é usada como um instrumento de desinformação.
Várias imagens e vídeos que não correspondem à realidade do atual conflito russo-ucraniano têm sido partilhados – e muitas vezes – nas principais redes sociais, criando uma narrativa confusa e enganadora do que tem vindo a acontecer no território ucraniano. As publicações incluem imagens e vídeos de arquivo ora de outros confrontos internacionais, ora dos confrontos de 2014 entre a Ucrânia e Rússia e ainda de segmentos de videojogos.
Fora de contexto, este tipo de publicações pode ser uma das principais fontes de desinformação sobre o conflito e, por isso, torna-se crucial saber como as identificar. Eis alguns exemplos de conteúdos multimédia falsos que contribuem para a onda de desinformação sobre o conflito:
Publicações enganadoras
Vários vídeos a representar um confronto aéreo têm sido amplamente divulgados tanto por usuários comuns como por fontes oficiais. Embora aparentarem ser reais, as imagens são retiradas de um videojogo, o Digital Combat Simulator World, que já tinha, inclusive, sido usado no passado por alguns canais de comunicação russos para representar a guerra síria.
Agora, as imagens têm sido ligadas ao confronto entre a Rússia e a Ucrânia. A própria conta oficial do Twitter do Ministério da Defesa ucraniano fez uma publicação de um segmento do videojogo com a descrição “Um MiG-29 das Forças Armadas destrói com vantagem o Su-35 dos russos”.
O vídeo é acompanhado de um aviso colocado pela própria plataforma: “Mantenha-se informado. Este vídeo é apresentado fora de contexto”. Embora a publicação inclua agora um alerta para a origem das imagens, nem sempre assim foi e muita informação que passa por factual continua a circular nas redes sociais.
Outras contas, nomeadamente de apoio à Ucrânia, publicaram no Facebook e Twitter um vídeo que mostra, supostamente, a destruição de um ataque russo da perspetiva de um drone. As imagens foram realizadas, na verdade, na Síria e remetem para 2020. A diferença entre a publicação inicial da imagem e a sua republicação é apenas umas: a fotografia surge agora invertida, uma técnica às vezes usada para impedir a verificação por meio de ferramentas de pesquisa reversa de imagem. O Twitter já retirou a publicação.
Outros vídeos que mostram imagens do confronto russo-ucraniano de 2014 são partilhados enquanto representações dos eventos atuais. Um exemplo é o vídeo de um soldado a saltar de para-quedas. Publicado pela primeira vez em 2016, o vídeo foi este ano republicado pouco depois do primeiro avanço russo sobre a Ucrânia, por uma conta com o mesmo nome daquela que publicou inicialmente o vídeo.
Vídeos da Força Aérea Russa têm sido também partilhados juntamente com informações que indicam que estarão a sobrevoar Kiev quando, na verdade, correspondem a uma celebração feita em Moscovo que contou com uma demonstração dessa entidade. De acordo com o USAToday, responsável pelo fact check do vídeo, as imagens foram retiradas de uma compilação do youtube de voos militares nomeada “Flyby Moscow (May 04, 2020)”. Vários outros vídeos da compilação têm sido usados como ferramentas para reescrever uma narrativa irreal do conflito.
A manipulação no TikTok
A rede social TikTok tem sido uma das plataformas centrais de desinformação no tópico do conflito entre a Rússia e Ucrânia, nomeadamente pela sua “pelo”, explica Abbie Richards, investigadora do TikTok na organização sem fins lucrativos Accelerationism Research Consortium ao Media Matters. É esta estrutura que, segundo a investigadora, está a “amplificar o medo e a desinformação”.
Os vídeos são partilhados sem serem submetidos a qualquer tipo de verificação, de modo que muitas das publicações partilhadas não correspondem a uma representação real dos factos. Vídeos que mostram mísseis, explosões e tiros têm arrecadado milhões de visualizações e gostos, embora, muitas vezes, sejam partilhadas fora de contexto ou sejam alvo de manipulações tanto a nível de imagem como de vídeo.
Uma das principais características do TikTok é a reutilização de áudios, ou seja, a oportunidade de colocar sobre qualquer vídeo um áudio à escolha. Alguns utilizadores têm colocado sons de explosões, tiros ou gritos sobre vídeos de autoria própria, dando a entender que se tratam de vídeos gravados durante o conflito russo-ucraniano, embora se tratem apenas de imagens manipuladas.
De facto, e segundo o Media Matters, o áudio de um vídeo viral que remete a 18 de fevereiro, antes do começo da invasão, e que contem sons de tiros foi usado em mais de 1700 vídeos ligados à guerra na Ucrânia até a própria plataforma o ter removido. Com quase 6 milhões de visualizações, adquiridas em apenas 12 horas, também um outro áudio de uma explosão no Líbano colocado sobre um vídeo tremido de alguém a fugir da sua varanda foi associado aos eventos a acontecer no território ucraniano. As imagens são estrategicamente filmadas de forma tremida, dando a entender terem sido gravados no momento por um civil.
É difícil entender, contudo, a razão para as pessoas desenvolverem ou partilharem vídeos que sabem que contribuem para a desinformação. “O volume de vídeos enganosos é uma novidade para mim. Algumas pessoas fazem isso porque querem atenção, algumas querem retirar algum valor disso, outras fazem isso potencialmente para desinformar”, explica em resposta à NPR Sam Gregory, diretor do programa da Witness, uma organização sem fins lucrativos focada no uso ético do vídeo em crises humanitárias.
Alguns usuários têm-se aproveitado do sistema de doações do TikTok – que permite fazer doações aos criadores de conteúdo durante as suas transmissões em direto – para ganhar dinheiro. Muitos fingem estar a gravar em direto da Ucrânia numa tentativa de receber incentivos monetários através da aplicação. O porta-voz do TikTok já se pronunciou sobre o assunto e garantiu que a empresa está a “monitorizar de perto a situação com mais recursos para responder às tendências emergentes e remover conteúdo violador, incluindo desinformação prejudicial e promoção da violência”.
De acordo com a NBC News, um dos utilizadores da plataforma tem feito diretos supostamente a partir do conflito na Ucrânia, que têm sido assistidos por cerca de 65 mil seguidores, nos quais agradece as doações que lhe são feitas. Recuando na sua página, surgem vídeos desse mesmo usuário com a moeda da Moldávia, indicando que talvez seja aí que se encontra.
Também no TikTok têm sido amplamente partilhados imagens retiradas do videojogo “Digital Combat Simulator World”, mas também de outros jogos como o “Arma 3”, que representam vídeos de conflitos.
A contribuir para a partilha de desinformação está também o algoritmo do TikTok, que procura responder aos interesses dos seus usuários, incluindo nos sugeridos vídeos antigos ou não relacionados com o conflito que podem, inclusive, resultar na partilha de informação falsa caso os utilizadores não sejam críticos da informação com a qual se cruzam.
O que está a ser feito contra a desinformação?
Organizações como o Bellingcat têm estado na linha da frente contra o combate da desinformação na documentação do conflito russo-ucraniano. Também algumas entidades reguladoras dos meios de comunicação têm-se preocupado em investigar alguns canais de comunicação russos já acusados por muitos países de responderem aos interesses do governo russo.
Por sua vez, também várias redes sociais já têm desenvolvido medidas de prevenção de desinformação, tentando encontrar a origem dos vídeos e imagens, identificando ou removendo informação falsa e chamando a atenção para informação colocada fora de contexto. Algumas plataformas procuraram mesmo repensar os seus algoritmos para dificultar a partilha ampla de desinformação.
A esta batalha juntam-se também os jornalistas e os próprios canais de comunicação, mas também os utilizadores podem constituir uma ajuda na identificação e irradicação da desinformação.
Como pode identificar informação falsa?
Antes de partilharmos uma imagem ou vídeo, devemos primeiro descobrir a sua origem e certificarmo-nos da sua veracidade. Eis algumas etapas que ajudam a impedir a partilha de desinformação:
-Procurar pormenores dos vídeos e imagem
Todos os vídeos e imagens são acompanhados por um conjunto de informações que nos permite saber quando e como esses ficheiros multimédia foram desenvolvidos. Para verificarmos esses dados, podemos fazer o download do ficheiro e, através do Adobe Photoshop, por exemplo, examiná-lo. Existem também, em alternativa, programas de metadata online que acedem a estes pormenores automaticamente.
É importante ter em atenção que algumas redes sociais como o Facebook apagam, muitas vezes, este tipo de pormenores das fotos e vídeos que são publicadas nas suas plataformas. Nesse caso, podemos fazer a requisição do ficheiro original ou recorrer a sites de fact checking e verificar se já terão analisado a imagem ou vídeo em questão. Alguns exemplos de sites a visitar: Australian Associated Press, RMIT/ABC, Agence France-Presse (AFP) e Bellingcat.
-Técnica de reverter a imagem
Esta técnica, conhecida em inglês como “reverse image search”, permite verificar outras plataformas onde os ficheiros já tenham sido previamente publicados, no caso de se tratar de uma imagem ou vídeo reutilizado. Para colocar em ação esta técnica basta recorrer ao Google Images ou ao TinEye.
No entanto, algumas estratégias são, por vezes, aplicadas numa tentativa de enganar estes motores de busca como inverter a imagem em qualquer direção.
-Olhar com mais atenção
Ao ver qualquer vídeo ou imagem, procure olhar com atenção para detalhes como as horas que surgem nos relógios de quem aparece ou a direção da luz de forma a verificar se corresponde à hora do dia que é apontada. Isto também permite perceber se o ficheiro foi manipulado ou reutilizado.
-Onde? Quando? Porquê? E quem?
Fazer estas perguntas a si mesmo pode ajudar a chegar a conclusões importantes sobre a imagem ou vídeo em causa. Onde foi tirada a foto/vídeo? Quando foi tirada a foto/vídeo? Porque é que foi tirada a foto/vídeo? Quem tirou a foto/vídeo?
Se não tiver certezas de algumas das respostas a estas perguntas, não partilhe as informações, principalmente se não tiverem sido publicadas por uma fonte oficial e confiável como é o caso de uma organização verificada.
-Interagir
Caso encontre de facto conteúdo manipulado ou colocado fora de contexto, deixe nos comentários as suas suspeitas ou contacte uma das organizações de fact checking.