“Há 40 anos, a nossa utopia era a democracia”, declarou Fernández na abertura da sessão parlamentar, referindo-se aos 40 anos ininterruptos de democracia (iniciados nas eleições de outubro de 1983), sem precedentes na história do país latino-americano.
“Proponho-vos que a nossa utopia hoje seja a igualdade”, prosseguiu o Presidente peronista (centro-esquerda) a nove meses do fim do seu mandato, que se seguirá às eleições gerais de outubro-novembro, acrescentando: “Construímos a democracia, vivemos em liberdade, alcancemos a igualdade!”.
O chefe de Estado defendeu os seus três anos de mandato numa conjuntura hostil, marcada pela pandemia de covid-19, o impacto da guerra na Ucrânia, o endividamento do país em contexto de inflação crónica (94,5% em 2022) — um “problema estrutural que remonta a décadas”, observou, apesar de a Argentina “ter sido um dos países com maior crescimento nos últimos dois anos (10,3% em 2021 e 5,4% em 2022)”.
O Presidente de 63 anos não fez, contudo, qualquer referência explícita a uma recandidatura, coisa que várias vezes não excluiu nos últimos meses, numa altura em que as eleições gerais de outubro se anunciam particularmente incertas, a quatro meses de primárias tanto no campo governamental como na oposição de direita e de centro-direita.
No seu discurso de abertura da sessão parlamentar, Fernández fez também, por vezes sob vaias da oposição, um grande ataque ao sistema judicial argentino, que tentou, em vão, reformar.
A Câmara dos Deputados, onde a coligação no poder não dispõe de maioria, nunca analisou o projeto.
“O poder judicial já há muito tempo que não conta com a confiança da população, não funciona eficazmente e não dá provas da independência necessária em relação aos poderes de facto (económicos) e políticos”, acusou.
Criticou em particular a condenação “absurda”, em dezembro, por fraude, da vice-presidente Cristina Kirchner, “que teve como objetivo a sua desacreditação política”, e condenou uma sentença do Supremo Tribunal sobre a distribuição das receitas fiscais entre Buenos Aires (gerida pela direita) e as restantes províncias do país.
Em janeiro, Fernández também iniciou um processo parlamentar destinado a destituir o Supremo Tribunal por “mau exercício das suas funções”, iniciativa simbólica forte, mas que não tem praticamente qualquer hipótese de êxito.
Na Argentina, tanto o Governo como a oposição se acusam regularmente de instrumentalizar ou influenciar a justiça.
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