“É dever da memória do Holocausto entendermos que as lições do ‘nunca mais’ valem para todos, em todos os lugares. Também na terra indígena do povo ianomâmi. Não em nosso nome.” Eis como termina a carta pública divulgada, na última semana, pela organização não governamental Judeus pela Democracia. O documento, disponível online para quem o pretenda subscrever, em sinal de solidariedade para com as comunidades autóctones da Amazónia, visa diretamente o homem que presidiu ao maior país da América do Sul entre 2019 e 2022 e acusa Jair Bolsonaro de ter cometido uma das “maiores crises humanitárias” testemunhadas pelos brasileiros, neste século.
Aparentemente, são cada vez em maior número os que consideram haver motivos para se falar em “genocídio” e em colocar no banco dos réus todos os responsáveis pela crise denunciada, a 20 de janeiro, pela plataforma Sumaúma: milhares de crianças desnutridas e esqueléticas, mulheres traumatizadas pela violência sexual, homens desesperados como se estivessem a viver em campos de concentração nazis. O Presidente Lula da Silva e vários membros do seu elenco governativo, incluindo o ministro da Justiça (Flávio Dino), não hesitam em apontar o dedo a Bolsonaro e aos bolsonaristas, invocando um “crime premeditado contra os ianomâmis”. Nesta segunda-feira, 30, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou a abertura de uma investigação formal a ex-governantes e ex-altos funcionários por terem – ou não – feito tábua rasa da lei, ignorando os mais elementares direitos dos povos milenares que vivem no Norte do Brasil, nomeadamente em matéria de saúde. “Há relatórios, audiências, reuniões e informações prestadas nas diversas ações e procedimentos (…) que conferem robustas evidências. (…) A gravidade do cenário é acentuada pelo facto de as autoridades com posição de comando terem estimulado atividades ilegais por meio de declarações públicas à mineração em terra indígena e através de legislações que, na prática, empoderaram organizações criminosas e enfraqueceram a capacidade estatal de fiscalização”, escreveu, em despacho, o procurador da República Alisson Marugal.
