A Rússia é há muito considerada como polo artístico do ballet e a graciosidade e virtuosismo dos seus bailarinos são reconhecidos internacionalmente. Durante a era soviética, o ballet foi uma das suas principais exportações, o seu cartão de visita, em jeito de soft-power. Foram sobretudo as grandes companhias que divulgaram a dança clássica para lá da Cortina de Ferro. Neste contexto, talentos tão conhecidos como Rudolf Nureyev e Mikhail Baryshnikov protagonizaram dramáticas fugas da União Soviética em protesto político. Em 2011, vinte anos após o colapso da URSS, deu-se a grande reabertura do ballet russo ao mundo, com a atração de bailarinos estrangeiros, melhoramentos nas infraestruturas e novo repertório. Cerca de dez anos depois, em 2022, a Rússia volta a fechar-se e os novos talentos escapam-se-lhe das mãos.
A invasão russa da Ucrânia está a afetar o mundo da dança. Para além de em poucos dias terem sido canceladas tournées e apresentações, estamos a assistir a uma debandada de bailarinos de todas as idades e proveniências, que reuniram esforços para sair da Rússia em pleno desacordo com as ações de Moscovo.
Caso proeminente é o de Xander Parish, de 37 anos – bailarino inglês agraciado com a Ordem do Império Britânico pelos serviços nas relações culturais entre a Rússia e o Reino Unido – ex-bailarino principal do Teatro Mariinsky de São Petersburgo. Em março, com a mulher, Anastasia Demidova, 23 anos, também do mesmo teatro, tomou a decisão de abandonar a Rússia. Estão agora no Ballet Nacional Norueguês. Ainda do Teatro Mariinsky, também a georgiana Lizi Avsajanishvili está agora com o Staatsballett em Berlim, Vsevolod Maievskyi partiu para a Semperoper de Dresden, o russo-americano Mikhail Barkidjidja rumou ao Ballet Australiano e Veronika Selivanova transferiu-se para o ballet Nacional Norueguês. Outro nome de relevo a abandonar o Mariinsky é o coreógrafo galardoado Ilya Jivoy, de 33 anos,que trabalhava no teatro desde 2008. “Quando a ‘operação especial’ [a guerra] começou, não podíamos ficar na Rússia, porque a minha mulher é de origem ucraniana e parte da nossa família mora na Ucrânia. Decidimos então ir para Tallinn [Estónia] e depois de um tempo percebi que não poderíamos voltar para a Rússia”, conta ao site Bumaga.
Do Teatro Mikhailovsky, em São Petersburgo, onde era bailarina principal, Svetlana Bednenko mudou-se para o Ballet am Rhein em Düsseldorf, na Alemanha. Já os também bailarinos principais Andrea Laššáková e Adrian Blake Mitchell apanharam um táxi até à fronteira com a Estónia (depois de sucessivos cancelamentos de voos), que cruzaram a pé. Atualmente, dão aulas online e participam em organizações sem fins lucrativos.
O Teatro Bolshoi, o Grande teatro (em russo, bolshoi significa grande), em Moscovo, também sofreu baixas significativas: Jacopo Tissi, de 27 anos, retornou à sua Itália natal e é agora artista convidado do Teatro alla Scalla, em Milão, enquanto o brasileiro David Motta Soares, 25, rumou a Berlim e é bailarino principal no Staatsballett Berlin.
Joy Womack, 28 anos, a primeira americana a diplomar-se na prestigiada Academia Bolshoi, estava no Teatro de Astrakhan (cidade perto do Mar Cáspio) e mudou-se para a Ópera Nacional de Paris. Já o Ballet Nacional Georgiano recebeu a hispano-ucraniana Laura Fernandez Gromova, que saiu do Teatro Stanislavsky.
Com o ballet tão intimamente ligado à Rússia e o que esta simboliza de momento, alguns bailarinos das companhias russas, sobretudo estrangeiros e jovens, veem-se impelidos a abandonar abruptamente o país que os formou. A invasão ordenada por Putin pôs em marcha um processo rápido e em efeito dominó que significa para muitos abandonar o “sonho russo”.