“O Presidente da República irá abordar a questão dos direitos humanos como o faz sempre com Mohamed bin Salman. Irá abordar (esta questão) de uma forma geral, mas aproveitará a oportunidade para falar de casos individuais”, afirmou a Presidência francesa (Eliseu).
A visita de Salman a Paris tem provocado críticas violentas por parte das organizações de defesa dos direitos humanos, tendo duas queixas sido depositadas hoje na justiça francesa por “cumplicidade de tortura” e por “desaparecimento forçado”, ambas ligadas ao assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, contra o príncipe herdeiro saudita.
A organização Democracia Já para o Mundo Árabe (DAWN, na sigla inglesa) e a associação Julgamento Internacional (TI, também no acrónimo inglês), indicam na queixa, de 42 páginas, que Salman é “cúmplice da tortura e do desaparecimento forçado” do jornalista saudita encontrado morto no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, a 02 de outubro de 2018.
Questionada sobre a controvérsia gerada pela visita do príncipe herdeiro saudita a Paris, a primeira desde a morte de Khashoggi, a Presidência francesa reiterou que continua a exigir que os “responsáveis” pelo assassinato “sejam julgados”.
E argumentou que o encontro entre Macron e Mohamed bin Salman é necessário perante a atual conjuntura internacional, nomeadamente por causa do aumento dos preços da energia devido à invasão russa da Ucrânia, da crise alimentar no Médio Oriente e das preocupações relacionadas com o programa nuclear do Irão.
Em defesa da visita de Salman a França, a primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, considerou hoje que o jantar no Palácio do Eliseu “não põe em causa o compromisso [francês] com os direitos humanos”.
“Não se trata, obviamente, de deixar de lado os nossos princípios, não se trata de pôr em causa o nosso compromisso com os direitos humanos. O Presidente da República [Macron] terá certamente a oportunidade de falar sobre isso com Mohammed bin Salman”, afirmou Borne.
“Acho que os franceses não entenderiam, num contexto em que sabemos que a Rússia está a cortar, a ameaçar cortar e recortar o fornecimento de gás, onde há tensões nos preços da energia, que não discutíssemos com os países que são precisamente produtores de energia. Isso, é claro, não põe em causa as expectativas que podem ser expressas sobre o respeito aos direitos humanos”, sustentou.
O encontro é também visto como mais um apoio à “reabilitação” de Salman, o líder de facto do reino saudita, menos de duas semanas após a visita do Presidente norte-americano, Joe Biden, à Arábia Saudita, que consagrou definitivamente o regresso do príncipe herdeiro ao cenário internacional, num contexto de guerra na Ucrânia e dos preços da energia em alta.
Colunista do Washington Post, crítico do poder saudita, Khashoggi foi morto e esquartejado em outubro de 2018 nas dependências do consulado saudita em Istambul quando lá se deslocou para obter os documentos necessários para se casar.
“O jornalista saudita pediu nomeadamente a restauração da ‘dignidade’ do reino para acabar com a ‘cruel’ guerra no Iémen e denunciou as novas ondas de prisões [na Arábia Saudita] após a entronização de Salman”, lembrou hoje a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), num comunicado de imprensa.
Os serviços secretos norte-americanos apontaram a responsabilidade de Salman no assassínio do jornalista, acusações rejeitadas pelo príncipe herdeiro, que tem sido banido da cena internacional desde o incidente em Istambul.
Na terça-feira, o príncipe herdeiro saudita visitou Atenas para reforçar a cooperação bilateral na que foi a primeira visita oficial a um país da União Europeia (UE) desde o assassínio de Khashoggi.
No dia seguinte, quarta-feira, os dois países assinaram acordos sobre transportes marítimos, energia, tecnologia de defesa, gestão de detritos e cultura.
JSD // SCA