Um elefante batizado com o nome Happy [Feliz, em português], encontra-se no centro de um caso judicial ouvido pelo tribunal estatal de Nova Iorque na última quarta-feira, dia 18, que visa determinar se um direito humano básico se pode estender a um animal. É expectável que a decisão final chegue entre as próximas 4 e 6 semanas.
Em causa estão as condições de alojamento oferecidas a Happy, um elefante asiático com 47 anos que reside no jardim zoológico do Bronx, em Nova Iorque, e se o animal em questão usufrui de qualquer direito de escolha sobre essas mesmas condições, tal como uma pessoa.
Para Monica Miller, advogada da Nonhuman Rights Project (NRP) [Projeto de Direitos Não-Humanos], uma organização norte-americana dedicada a salvaguardar os direitos dos animais, e membro da equipa que avançou com o processo em defesa de Happy, o elefante “tem interesse em exercer as suas escolhas e decidir com quem quer estar, para onde ir, o que fazer e o que comer”. “O zoo está a proibi-la de tomar essas decisões por si mesma”, afirma Miller.
O jardim zoológico do Bronx tem, atualmente, dois elefantes, mas mantêm-nos em recintos distintos separados por uma grade. Os dois animais podem comunicar e tocar-se através da divisória mas, no fundo, vivem em isolamento. A NRP equipara estas condições a uma solitária prisional e considera-as particularmente condenáveis tendo em conta as características da espécie de Happy – os elefantes asiáticos são muito sociáveis e, quando privados do contacto com outros membros da sua espécie, podem tornar-se agressivos, deprimidos ou mesmo catatónicos.
De modo a remediar esta situação, a NRP “exige o reconhecimento da personalidade jurídica de Happy, o seu direito fundamental à liberdade corporal e sua libertação para um santuário de elefantes”, como se pode ler numa petição entregue originalmente em 2018.
Legalmente, o argumento da NRP baseia-se no mecanismo habeas corpus, que pode ser pedido por qualquer cidadão que considere que as garantias constitucionais de liberdade de um terceiro possam estar em causa. Ao longo da história, o habeas corpus tem sido usado, entre outros fins, para libertar escravos em Inglaterra ou nos EUA e, no mundo animal, chegou a ser empregue para transferir a chimpanzé Cecilia de um jardim zoológico na Argentina para um santuário no Brasil.
A resposta do jardim zoológico
Em resposta, o jardim zoológico do Bronx escreveu um comunicado onde, logo no título, acusa a NPR de “potencialmente ameaçar a saúde de Happy”. O zoológico critica também o que vê como a “campanha litigiosa” da organização norte-americana, cujos processos apenas revelam que a NPR “está disposta a sacrificar a saúde e o bem-estar psicológico de Happy para estabelecer precedentes”. Os dirigentes do jardim do Bronx defenderam também as condições de vida do elefante asiático, que, garantem, é “bem cuidada por profissionais com décadas de experiência e com quem estabeleceu uma forte ligação”.
O comunicado aponta também para as potenciais consequências judicias que adviriam de uma decisão favorável à lógica da NRP, nomeadamente a possibilidade de os tribunais de Nova Iorque serem consequentemente inundados com processos semelhantes. Como o habeas corpus nunca foi aplicado para defender animais nesta cidade, “mudar esse conceito legal fundamental tem implicações não só para os jardins zoológicos, mas também para todos os seres humanos que possam procurar ou precisar de acesso ao sistema judicial”, lê-se.
Miller, a advogada da NRP, ripostou que este caso centra-se apenas nas espécies de elefantes, e não a todos os animais. “Os elefantes partilham numerosas habilidades cognitivas complexas com os seres humanos, tais como a autoconsciência, empatia, consciência da morte, comunicação intencional, aprendizagem ou memória”, diz a organização, daí ser relevante interpor o habeas corpus a seu favor. Já Happy é um excelente exemplo desta realidade, pois, em 2007, tornou-se a primeira da sua espécie a ser capaz de se reconhecer a si própria num espelho.
Este processo já percorreu alguns dos tribunais locais de Nova Iorque, sempre com decisões favoráveis ao jardim zoológico do Bronx, pelo que não se prevê que a decisão do Tribunal de Recursos (o mais elevado do estado) seja diferente.