Neste momento, Clarissa Ward, correspondente internacional da CNN, encontra-se em Kiev a acompanhar os soldados ucranianos que tentam ajudar os civis a deslocarem-se para locais mais seguros e a relatar os acontecimentos no local desde o início da invasão russa, no fim do mês passado. “O extraordinário nisto tudo é que, ao fim de sete dias de bombardeamentos intensos, há muitas pessoas que continuam a recusar deixar as suas casas”, explicou a jornalista, num dos seus diretos no fim da última semana a partir de Irpin, cidade na província de Kiev, com um capacete e colete com press (imprensa) estampado à frente colocados e uma imagem de destruição como fundo.
É assim que nos habituámos a ver Ward. Aos 42 anos, a anglo-americana tem já um longo e marcante caminho percorrido em algumas das principais estações de televisão do mundo, e conta, há mais de 15 anos, histórias terríveis, mas reais, do sofrimento vivido nas zonas de guerra. Foi há quase 20 anos, em 2003, que iniciou o seu caminho no mundo do jornalismo, na Fox News, como assistente de mesa noturna (entrava à meia-noite e saía às 9h da manhã). Antes disso, em 2001, enquanto frequentava o último ano de literatura na Universidade de Yale, em New Haven, Connecticut, nos EUA, o ataque da Al Qaeda às torres gémeas fê-la aperceber-se de que o seu futuro teria de passar pelo jornalismo.
Clarissa Ward rapidamente “saltou” para a editoria do canal norte-americano em Nova Iorque e coordenou eventos demasiado importantes para se perderem na História, como o sismo e tsunami do Oceano Índico em dezembro de 2004 e a morte do papa João Paulo II, em abril de 2005. Numa entrevista dada em 2020, Ward explicou que pedia diariamente ao chefe que a enviasse para o Iraque e, aos 25 anos, o pedido foi concedido. “Foi a primeira vez que realmente entendi que podia morrer durante o meu ofício”, afirmou. Foi Ward que acompanhou a cobertura do referendo constitucional iraquiano de 2005.
A partir de 2006, começou a trabalhar como produtora em campo para o mesmo canal, produzindo, nesse mesmo ano, a cobertura da Guerra do Líbano e o sequestro de Gilad Shalit, soldado israelense que foi capturado em Kerem Shalom, na fronteira de Israel com a Faixa de Gaza, por militantes palestinos. Depois disso, cobriu a subsequente ação militar de Israel na faixa de Gaza e o julgamento e morte de Saddam Hussein, em dezembro de 2006.
Em 2007, saiu de Beirute, no Líbano, onde vivia, para iniciar uma nova fase da sua carreira, passando a ser correspondente da ABC News em Moscovo, Rússia, onde se manteve até ao final de 2010. Foi lá, precisamente, que conheceu o marido, o alemão Philipp von Bernstorff, com quem casou em 2016 e teve dois filhos, e foi lá também que cobriu as eleições presidenciais que levaram Putin à presidência em 2012. Depois, foi transferida para Pequim, tornando-se a correspondente da ABC News na Ásia, cobrindo o terramoto Tohoku e o tsunami de 2011 no Japão, por exemplo.
Entre 2011 e 2015, Ward foi correspondente internacional da CBS News, colaborando no programa 60 Minutes, criado em 1968. Foi durante um trabalho para o programa em Alepo, capital da Síria, que a jornalista e a sua equipa sofreram disparos de franco-atiradores e bombardeamentos aéreos. Ward cobriu a guerra civil nessa cidade – mais tarde, em 2016 e já na CNN, devido à já sua experiência como correspondente de guerra, falou numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação de devastação em Alepo – sendo que, em outubro de 2014, voltou ao país de forma clandestina e entrevistou dois jihadistas ocidentais. Em 2014, acompanhou também a revolução ucraniana de 2014, com as violentas manifestações de protesto contra o governo do presidente eleito na altura, Viktor Yanukovych, que ficaram conhecidas como Euromaidan.
“Não estou preocupada com a minha segurança, estou sim preocupada com a segurança deles“
Em julho de 2018, Clarissa Ward sucedeu a Christiane Amanpour como principal correspondente internacional da CNN. A jornalista, que iniciou as suas funções para esta cadeia em 2015, mantendo a sede em Londres, ganhou ainda mais notoriedade devido ao seu trabalho em 2019, por relatar os acontecimentos em primeira mão em zonas controladas pelos Talibã no Afeganistão. Em agosto de 2021, depois de o grupo terrorista tomar posse de Cabul, foi um dos rostos mais presentes na televisão, cobrindo de perto a tensão vivida na cidade.
“Já testemunhei todo o tipo de eventos malucos e implausíveis, mas nunca vi nada parecido com o que está a acontecer em Cabul “, escreveu a jornalista numa coluna do The Spectator, na altura. “Os jornalistas afegãos, que realizaram um trabalho tão corajoso e importante nos últimos 20 anos, não recebem este tipo de garantia [de poder deixar o país]. Não estou preocupada com a minha segurança, estou sim preocupada com a segurança deles ”, referiu ainda, no momento em que era ameaçada e obrigada a sair de certos lugares por ser mulher.
Ainda em 2018, a repórter cobriu o caso do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, do The Washington Post, conseguindo obter imagens exclusivas que mostravam um agente saudita a fazer-se passar por Khashoggi, numa tentativa de encobrir o crime. Já em 2019, a jornalista investigou, durante meses, um grupo de mercenários russos, Wagner, obtendo a primeira entrevista em vídeo com um veterano da milícia, o grupo militar mais conhecido do país, presente em todos os conflitos de interesse para o Kremlin e que atua, principalmente, no leste da Ucrânia, na Síria e em África. Ward viajou para a República Centro-Africana com o objetivo de investigar a crescente atividade deste grupo no continente, tendo sido ameaçada e perseguida, juntamente com a sua equipa. Pode ver a reportagem aqui: Putin’s Private Army.
A jornalista também acompanhou o caso do líder da oposição russo Alexei Navalny durante anos, entrevistando-o num local não revelado na Alemanha, sendo que, em dezembro de 2020, numa investigação em conjunto da CNN, do Der Spiegel, do The Insider e do Bellingcat, Ward denunciou como os membros dos serviços de segurança russos perseguiram o advogado e ativista durante anos, também pouco tempo antes do seu envenenamento, em agosto de 2020 – seguiram-no em mais de 30 viagens durante três anos.
Em 2021, cerca de dois meses após o golpe militar em Mianmar, Clarissa Ward e a sua equipa foram os primeiros jornalistas estrangeiros autorizados a entrar no país.