“O que nós queremos para a língua, hoje, é ver a língua ter o estatuto que a nossa Constituição diz, que todas as línguas do território nacional devem ter o mesmo estatuto”, afirmou a linguista Karina Moreira.
O artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, define apenas o português como língua oficial, mas também prevê que o Estado deve promover “as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”.
Para Karina Moreira, é preciso padronizar a língua materna de Cabo Verde, em função das variantes das ilhas, mas acrescenta que a condição atual do crioulo é “inconstitucional”, porque não “goza” do estatuto oficial dentro do seu próprio território.
“Queremos que haja uma mudança nesse aspeto e que a língua receba o seu estatuto para que possa ser objeto de orçamentação para todos os instrumentos de padronização necessário para se investir na educação, na promoção de materiais didáticos e na investigação”, acrescentou.
Defendeu que a língua cabo-verdiana “está de boa saúde”, mas que é preciso trabalhar para a preservar: “É no presente que temos de trabalhar o futuro, há muitas línguas minoritárias que se estão a perder e se não trabalharmos a sua preservação agora, não saberemos o que pode acontecer daqui a um século ou até mais cedo, porque a língua é viva e vai-se transformando quer positivamente, quer negativamente”.
O Ministério da Educação anunciou que prevê a introdução da língua cabo-verdiana no 10.º ano de escolaridade a partir do próximo ano letivo. Face a isto, a linguista cabo-verdiana afirmou que quer fazer uma ponte entre a comunidade científica e os professores que vão “colocar a mão na massa com as crianças”.
“Queremos passar os nossos conhecimentos e descodificar para uma linguagem mais didática para que eles também tenham instrumentos para depois irem construindo a sua base de trabalho”, apontou.
Para Karina Moreira, a melhor estratégia a ser adotada para o ensino do crioulo é aquela que sirva para “dignificar, valorizar e preservar cada vez mais a língua cabo-verdiana”.
A promoção da língua materna foi um dos desígnios assumidos pelo Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, que no seu discurso de tomada de posse, em 09 de novembro de 2021, alternou entre crioulo e português.
Um grupo de quase 200 personalidades cabo-verdianas, que lançou uma petição também nesse sentido, incluindo Karina Moreira, pediu em novembro passado apoio ao do chefe de Estado e anunciou que pretende criar uma associação em prol do crioulo, não só para a oficialização como para ensino e padronização.
À saída do encontro com o Presidente da República, a linguista Amália Lopes, uma das promotoras do grupo que lançou a petição em abril de 2021 para a mudança da política linguística em Cabo Verde, disse que o objetivo não é apenas a oficialização do crioulo, que requer uma revisão da Constituição da República, mas também o ensino da língua cabo-verdiana e a sua padronização.
Para a promotora, o ideal no país seria um “bilinguismo precoce”, desde o jardim-de-infância, em que as crianças pudessem aprender o suficiente do português oral, para que quando fossem para o primeiro ano fossem alfabetizadas nas duas línguas.
“Vai ser muito importante porque os jovens estão a utilizar a língua cabo-verdiana nas redes sociais e vão poder ter uma disciplina que lhes permita escrever as bases da língua nas diferentes variedades, perceber as diferenças, as semelhanças e ter já competências básicas que lhes vão permitir comparar com a língua portuguesa e avançar melhor nas duas línguas”, reforçou.
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