O cantor de reggae Alpha Blondy tem uma música de 2015 cujo refrão fica logo no ouvido: “Demasiados golpes de Estado/ em África/ Demasiados golpes de Estado/ Assim já basta.” Quem de certeza concorda com o rasta marfinense é António Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas. No final de outubro, na sequência da golpada do general Abdel Fattah al-Burhan, inviabilizando a transição civil no Sudão (ver caixa), Guterres falou de uma “epidemia golpista”. O ex-primeiro-ministro português classificou esse pronunciamento militar de “inaceitável”, exigiu a “imediata libertação” dos presos políticos e solicitou ao Conselho de Segurança da ONU uma posição clara sobre os acontecimentos na capital sudanesa. Afirmou, então, que as divisões geopolíticas – a crise ucraniana acabara de começar –, combinadas com os impactos sociais e económicos da Covid-19, estavam a criar um “ambiente em que alguns líderes militares se sentem completamente impunes e acham que podem fazer o que lhes apetece, por nada lhes acontecer”.
Este apelo de pouco ou nada serviu, e o general Burhan continua a mandar em Cartum, indiferente às pressões internacionais e às manifestações dos compatriotas. O Sudão é o país que, nas últimas seis décadas, soma o maior número de golpes de Estado em todo o mundo (ver infografia), e o seu exemplo é a confirmação de uma nova deriva autoritária no continente africano. Desde o fim da Guerra Fria que se julgava que as ditaduras e as sublevações militares teriam tendência a desaparecer, como se verificou nas duas primeiras décadas do século XXI. Só que a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2, como sublinhou Guterres, parece ter vindo acompanhada dos velhos cabos de guerra. Para fazerem jus à tradição, continuam a exibir pose marcial, óculos de sol e plena consciência do que vale a propaganda. É por isso que, nos oito golpes de Estado ocorridos em África nos últimos dois anos (incluindo, aqui, os bem-sucedidos e também os falhados), o acesso à internet e às redes sociais se faz consoante as conveniências das casernas, preparando, assim, o terreno para a manutenção do poder – ad aeternum.