Um relatório de inteligência dos EUA, desenvolvido por um painel de cientistas dedicado a investigar a origem da misteriosa Síndrome de Havana, apontou a energia eletromagnética pulsada e o ultrassom como possíveis causas para o conjunto de sintomas que já atingiu vários funcionários do governo.
As conclusões do relatório divulgado na quarta-feira não são definitivas e não permitem apontar uma causa exata para os múltiplos sintomas descritos pelos afetados. Assim, enquanto a energia eletromagnética e, em circunstâncias mais concretas, o ultrassom são encarados como possíveis respostas ao enigma que é Síndroma de Havana, também foi possível pôr já de lado outras causas inicialmente consideradas.
Posto isto, e segundo o relatório, a maioria dos casos não pode ser explicada por fatores ambientais ou de saúde, como doenças ou agentes psicossociais, pelo menos não enquanto causas isoladas. O painel também descartou a “radiação ionizante, agentes químicos e biológicos, infrassom, som audível, ultrassom propagado a grandes distâncias e aquecimento em massa por energia eletromagnética”.
A descoberta confirma um relatório prévio da National Academies of Science divulgado no final de 2020 que descrevia a “energia de radiofrequência pulsada e direcionada” como sendo “o mecanismo mais plausível para explicar esses casos”, ainda que também não se pudesse encarar como a causa definitiva.
A síndrome de Havana surgiu pela primeira vez em 2016 e desde então já atingiu diplomatas e espiões norte-americanos. Os então definidos como “incidentes anómalos de saúde” pelo governo dos EUA, são ainda, seis anos depois, um mistério. O leque de sintomas é amplo, o que dificulta o estudo da síndrome e a procura pela sua origem. Desde dores de cabeça, a tonturas, fadiga e sons agudos ou de pressão, os relatos são diversos.
“Aprendemos muito”, disse um oficial de inteligência familiarizado com o trabalho do painel, falando sob anonimato nos termos estabelecidos pelo Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional. “Embora não tenhamos o mecanismo específico para cada caso, o que sabemos é que, quanto mais cedo for relatado e receber atendimento médico, maior a probabilidade de recuperação”.
Um leque de sintomas
O painel ocupado de estudar este fenómeno e estabelecido no ano passado pelo diretor de segurança nacional, Avril Haines, e o diretor da CIA, William Burns, é composto por médicos e especialistas em engenharia que têm acesso a informações secretas sobre os incidentes.
Os casos analisados pelo painel, embora não seja conhecido o seu número exato, permitiram identificar, de entre os múltiplos sintomas, quatro “características principais”: sons agudos ou pressão, às vezes apenas num único ouvido ou lado da cabeça ; sintomas simultâneos de vertigem, perda de equilíbrio e dor de ouvido; “um forte sentido de localidade ou direção”; e a ausência de quaisquer condições ambientais e/ou médicas conhecidas que possam ser a causa dos outros sintomas.
Num resumo executivo do seu relatório, o painel de especialistas disse que os sinais e sintomas da síndrome são “diversos e podem ser causados por múltiplos mecanismos”, mas que os identificados como principais “não podem ser facilmente explicados por fatores ambientais conhecidos ou condições médicas”.
As vítimas da misteriosa síndrome contaram ter sido atingidas por uma combinação de sintomas em vários locais do mundo, “pessoas acidentalmente expostas a sinais de radiofrequência descreveram sensações semelhantes às características principais”.
O painel descobriu que “a combinação das quatro características principais é distintamente incomum e não relatada na literatura médica sem ser nesta situação e, até agora, não foi associada a uma anormalidade neurológica específica”.
É exatamente essa ausência de literatura sobre o fenómeno e as lacunas de conhecimento que existem sobre o tópico que constituem um dos maiores desafios, segundo alguns oficiais familiarizados com o trabalho do painel. “Se nos concentrarmos nas características principais, percebemos que é uma combinação única com a qual não temos muita experiência nas áreas médica e clínica”, explicou um dos funcionários.
Tanto a energia eletromagnética pulsada, “particularmente na faixa de radiofrequência”, como o ultrassom podem causar os quatro sintomas principais, descobriu o painel, e ambos podem ter origem numa “uma fonte ocultável”.
Segundo o relatório, o ultrassom propaga-se “mal pelo ar e materiais de construção”, “restringindo a sua aplicabilidade a cenários em que a fonte está próxima do alvo”.
As fontes de energia eletromagnética, por outro lado, “podem gerar o estímulo necessário, são ocultáveis e têm requisitos moderados de energia”, além de que “usando antenas e técnicas não padronizadas, os sinais podem ser propagados com baixa perda pelo ar desde dezenas a centenas de metros, e com alguma perda, na maioria dos materiais de construção”.
Os estudos sobre os efeitos destes tipos de energia no corpo humano são relativamente limitados e diminutos por questões éticas. “Há uma escassez de pesquisas sistemáticas sobre os efeitos dos sinais eletromagnéticos relevantes em humanos”, lê-se no resumo executivo do relatório, pelo que o painel recorreu apenas a relatos de pessoas que foram expostas “inadvertidamente” e que estavam dispostas a partilhar.
Reconhecer a verdade das vítimas
Um grupo de vítimas da Síndrome Havana divulgou um comunicado na quarta-feira, referindo que o mais recente relatório sobre o fenómeno “reforça a necessidade da comunidade de inteligência e do governo dos EUA em geral redobrar os seus esforços para entender completamente as causas da Síndrome de Havana”.
Algumas vítimas já apontaram o dedo à CIA por, no passado, não ter levado a sério os sintomas relatados, assumindo tratar-se de um episódio psicossomático ou histeria em massa. Atualmente, os sintomas são reconhecidos e as autoridades apelam a que se recorra o mais rapidamente possível “a assistência médica”, diz um oficial.
“Continuamos a procurar esforços complementares para chegar ao cerne dos acidentes de saúde anómalos – e fornecer acesso a cuidados de classe mundial para os afetados”, asseguraram o diretor de inteligência nacional Avril Haines e o diretor da CIA, Bill Burns, em comunicado conjunto. “Estamos a fazer progressos em ambas as áreas.”
Mark Zaid, um advogado de Washington que representa as vítimas de várias agências federais, pede cautela: “Essas revisões fragmentadas das agências às vezes revelam resultados inconsistentes e até contraditórios que prejudicam o esforço para resolver essa controvérsia”.
Há responsáveis?
Um relatório provisório divulgado no mês passado por um grupo da (task force) CIA que procurou perceber quem poderia ser o responsável pelos episódios registados ou se existiria de facto um “alguém” responsável, divulgou que era “improvável que um ator estrangeiro, incluindo a Rússia, estivesse a conduzir uma campanha mundial sustentada destinada a prejudicar funcionários dos EUA com uma arma ou mecanismo”.
Ainda assim, a agência não descartou a hipótese de um estado-nação, Rússia incluída, poder ser responsável por cerca de duas dúzias de casos para os quais os investigadores não conseguiram encontrar outra causa conhecida.
Embora o foco do painel de especialistas não fosse encontrar um culpado, num documento que acompanha o relatório, Haines e Burns disseram que perceber essa origem poderia ajudar a compreender o fenómeno.