Mais de 400 mil trabalhadores das fábricas fornecedoras de grandes marcas — como a Nike, a Zara, a Puma ou a H&M— em Karnata, na Índia, estão desde abril de 2020 sem receber o salário mínimo legalmente exigido. Segundo os dados do Consórcio dos Direitos dos Trabalhadores (Worker Rights Consortium em inglês), organização independente que zela pelos direitos dos trabalhadores pelo mundo, estes trabalhadores estão sem receber o aumento salarial promulgado desde essa altura e estima-se que o incumprimento das fábricas até agora supere os 44 milhões de euros.
A cidade é um dos principais centros de confeção têxtil no país, com milhares de fábricas em funcionamento e centenas de milhares de trabalhadores que produzem roupas de marcas internacionais distribuídas por todo o mundo. Segundo o WRC, as fábricas têm sido as únicas a não pagar aumento salarial decretado pelo tribunal do estado, deixando os trabalhadores numa situação em que não conseguem suportar os gastos mensais. O salário mínimo na Índia inclui uma prestação variável que depende diretamente do custo de vida no país. Essa parcela foi aumentado para 417 rupias (cerca de 4,90 euros) mensais em abril de 2020, mas desde essa altura que esse valor não chega ao bolso dos trabalhadores. Contas feitas aos já 20 meses desde que foi aprovado, é devido a cada um cerca de 98 euros. Ora com um salário mínimo que não passa dos 50 euros mensais, o valor em dívida é signiticativo
O The Guardian falou com alguns destes trabalhadores, que relataram as dificuldades sentidas nos últimos meses, até mesmo em alimentar a própria família: “Se tivéssemos tido um aumento de salário no ano passado, poderíamos ter comido vegetais algumas vezes por mês, ao menos. Ao longo deste ano, só dei à minha família arroz e molho de chutney”, disse uma mulher. “Tentei falar com a gerência da fábrica sobre isso”, acrescentou, “mas eles disseram, ‘é isso que pagamos a quem trabalhar aqui. Se não gostar, pode ir embora.’”
“O ato de roubo de salários mais flagrante a que já se assistiu”, foi como caracterizou Scott Nova, diretor do WRC, a situação vivida pelos trabalhadores, isto em termos de “números de trabalhadores afetados e quantidade de dinheiro roubado. Os filhos destes trabalhadores estão a passar fome para que as marcas possam ganhar mais dinheiro.” Os insistentes pedidos da organização para as marcas pagarem o que devem, de acordo com o que estabelece a lei na Índia, não tiveram efeito e os trabalhadores continuam em condições de vida precárias. Para Nova, a “inação e indiferença” em relação à mão-de-obra feminina, na sua maioria pobre, é “vergonhosa e cruel”, e, para as marcas desta dimensão, o pagamento do salário mínimo é o menor dos obstáculos no cumprimento das suas obrigações. “Se os trabalhadores nem sequer insistirem no pagamento dos salários estarão a permitir que uma violação de direitos humanos prossiga com impunidade numa escala enorme”.
Os fornecedores das marcas argumentam que não estão em imcumprimento porque uma proclamação do Ministério do Trabalho e do Emprego indiano, logo em abril de 2020, suspendeu o aumento do salário mínimo no país e uma ação judicial relativa à exigência de pagar esse aumento ainda está a ser processada nos tribunais de Karnataka. No entanto, o supremo tribunal do estado de Karnataka considerou, em setembro do ano passado, ilegal a proclamação do ministério, determinando que todos os salários em atraso deveriam ser pagos, independentemente de decisões de outros tribunais. Mas os fornecedores de roupa mantêm-se como o único setor industrial em Karnataka a não cumprir a ordem do tribunal, de acordo com a WRC.
A falta de pagamento tem tido um efeito devastador na vida dos trabalhadores e das suas famílias, em particular as crianças. Uma mulher contou que se viu obrigada a sair da sua casa e que está agora a viver com um parente por não conseguir pagar mais a renda: “Os salários que íamos recebendo não cobriam todos os nossos custos de vida, mas ainda ajudavam com a comida ou medicamentos, por exemplo. Trabalhar em fábricas de roupa é muito duro. As marcas que compram da minha fábrica exigem qualidade e cumprimento dos prazos, para as roupas serem enviadas a tempo, mas não se preocupam minimamente com o que me possa acontecer”.
Muitas das marcas vieram a público afirmar o seu compromisso em pagar os salários mínimos em atraso, dizendo que esperam o cumprimento das ordens do supremo tribunal por parte dos seus fornecedores, com pena de levar “a sérias consequências para os negócios”, disse a H&M.