Os temas principais que ocupam as 50 páginas do acordo são a habitação, as alterações climáticas, a crise do nitrogénio, o investimento na educação e, em especial, as consequências que ainda sofrem mais de 47.000 famílias e as suas 97.000 crianças devido ao escândalo das ajudas aos pais, que foram infundadamente acusados de fraude fiscal e perseguidos até à ruína desde 2013.
“Cometeu-se uma grande injustiça para os pais afetados e seus filhos, com graves consequências em todas as áreas das suas vidas. Para lhes fazer justiça, é essencial uma compensação generosa e uma cicatrização emocional”, sublinha o acordo.
A perseguição das Finanças a famílias inteiras é o pior escândalo administrativo, institucional e político da história recente dos Países Baixos, e que causou a queda do Governo em janeiro passado.
O futuro executivo abolirá, portanto, o atual sistema e financiará as creches em até 95%, para que os pais só paguem uma pequena contribuição, e os subsídios não serão pagos em forma de ajudas, mas diretamente às instituições de cuidado infantil, para evitar que as famílias “se percam em regras complicadas”, como aconteceu desde 2013.
O partido liberal VVD, o progressista D66, o Apelo Democrata-Cristão (CDA) e a União Cristã (CU), que governaram em coligação de 2017 a janeiro deste ano (quando se demitiram em bloco e ficaram em gestão corrente), demoraram nove meses a atenuar as divergências surgidas após as eleições de março e recuperar a unidade com que governaram antes.
O lema do acordo, “Cuidar uns dos outros, olhar para o futuro”, expressa “um sentimento social” e uma “visão progressista do futuro”, segundo Sigrid Kaag (D66), que defende que o próximo Governo tem ambições progressistas, embora haja preocupação na oposição com o plano de travar os gastos com a Saúde nos próximos anos.
O ministro das Finanças em funções, Wopke Hoekstra (CDA), quer continuar no Governo e explicou que se vai “reduzir para metade o número de crianças que crescem na pobreza, se vai enfrentar a falta de habitação e investir milhares de milhões em infraestruturas e qualidade de vida”.
Do acordo, destacam-se o aumento gradual do salário mínimo em 7%, que se baseará numa semana laboral de 36 horas (como propunha a esquerda, na oposição), e a prioridade dada à resolução de desafios sociais como as alterações climáticas e a crise do nitrogénio, com 35.000 milhões e 25.000 milhões de euros adicionais, respetivamente.
Haverá também um ministro do Clima e da Energia no futuro executivo, que pretende construir duas novas centrais nucleares e manter aberta a central elétrica de Borselle.
Um dos principais problemas que hoje têm os Países Baixos é a crise imobiliária, pelo que o futuro Governo promete construir até 100.000 habitações anualmente, com pelo menos dois terços destinados a arrendamento acessível e a futuros proprietários que procuram primeira residência. Haverá igualmente um ministro da Habitação e do Ordenamento Territorial.
O próximo Governo neerlandês quer abolir o imposto dos grandes proprietários e alcançar “acordos vinculativos” com as associações imobiliárias para estabelecer mínimos que permitam a construção de casas acessíveis, bairros habitáveis, planos de renovação e sustentabilidade.
Será introduzido um imposto sobre o açúcar, e não será aplicado IVA a frutas e verduras.
Rutte quer abolir o sistema de empréstimos aos estudantes universitários para apostar numa bolsa básica e outra complementar ligada ao rendimento, e será feito um investimento estrutural de 170 milhões de euros no setor cultural.
As questões de ética médica como o aborto e a eutanásia, principal problema entre o D66 e a CU, não estão vetadas no acordo e passarão a ser uma questão de “livre consciência” dos deputados, que poderão votar com base nas suas próprias convicções.
Johan Remkes, o “informador” que ‘testou as águas’ para formar o executivo, sublinhou que o acordo surge “num momento importante”, porque os Países Baixos “necessitam urgentemente de Governo”, e lamentou que o período de negociações tenha sido “excessivamente longo”, porque pôs “à prova” a paciência da sociedade.
A progressista Vera Bergkamp, presidente do parlamento, instou a que se “recupere a confiança na política”, depois de um ano complicado no país, que teve na liderança um Governo em gestão corrente que apenas geriu a pandemia de covid-19, com constantes protestos — alguns desembocando em fortes distúrbios — e com tarefas pendentes urgentes acumuladas.
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