Depois de ter participado num debate na Câmara dos Comuns, acompanhada pelo filho de três meses, Stella Creasy, deputada britânica pelo Partido Trabalhista, recebeu um e-mail em que era informada que não podia levar o seu filho para a Câmara.
A deputada expressou o seu desagrado com uma publicação na rede social Twitter: “Aparentemente o Parlamento tem uma regra que significa que não posso levar o meu bebé bem comportado, de 3 meses, a dormir quando falo na Câmara.”
“As mães, na ‘mãe’ de todos os parlamentos [como é conhecido o Palácio de Westminster, onde estão instaladas as duas Câmaras do Parlamento] não devem ser vistas ou ouvidas, ao que parece…”, acrescentou.
A regra em questão – o número 42 das “Regras de Comportamento e Cortesia na Câmara dos Comuns” – dita que os deputados “não devem sentar-se na Câmara quando acompanhados pelo seu filho, nem ficar de pé em nenhum dos extremos da Câmara, entre divisões”.
Para Creasy este foi um motivo de surpresa, uma vez diz que não é a primeira vez que leva o filho para o Parlamento, pois está a amamentar e o bebé precisa de constante atenção.
A publicação gerou um debate aceso, com algumas pessoas a concordarem com a regra, e outras – entre as quais outras deputadas – a exigirem que o Parlamento britânico tome medidas para que seja mais fácil para as deputadas que também são mães fazerem o seu trabalho.
No dia seguinte, Lindsay Hoyle, Presidente da Câmara dos Comuns do Reino Unido, garantiu que o Comité de Procedimento da Câmara dos Comuns iria rever as regras. “É extremamente importante que os pais de bebés e crianças pequenas possam participar plenamente nos trabalhos desta Câmara”, disse, na Câmara. “É por isso que, para dar um exemplo, temos um berçário”.
Creasy publicou ainda um artigo de opinião no jornal britânico The Guardian, em que garante que o problema vai muito além do seu caso concreto, e que enfatiza “os obstáculos que impedem as mulheres de desempenhar um papel pleno na política”.
“O Parlamento negou-me a licença de maternidade alegando que a democracia impede que alguém me possa substituir no trabalho. Com pouco apoio das autoridades ou mesmo do meu próprio partido político, trabalhei o melhor que pude enquanto geria as necessidades do meu filho, agora com 13 semanas”, explica. “Foi por isso que fiquei perplexa quando me disseram que não o podia levar comigo para o Parlamento. Enquanto o meu filho dormia feliz (…) a sua presença num debate perturbava claramente alguns numa instituição que anteriormente parecera relaxada sobre tais assuntos.”
Acrescenta ainda que é fundamental que sejam adotadas medidas para tornar a política e a legislatura mais family-friendly, como já acontece em países como a Nova Zelândia ou o Canadá. “Há milhares de mães por aí que têm algo de valioso a acrescentar à nossa política, e que querem candidatar-se. Por agora, vêem a mãe de todos os parlamentos desencorajar as mães e perguntam-se, com razão, se serão bem-vindas”, desabafa.
A causa recebeu o apoio de outras deputadas, que consideram que deve ser possível cuidar dos filhos e participar na política em simultâneo, e o que o Parlamento britânico deve assegurar as condições necessárias para que tal seja feito.
Cerca de um terço dos deputados britânicos são mulheres. No entanto, tanto no Reino Unido como noutros países, as deputadas enfrentam alguns desafios, como por exemplo, a ausência de licença de maternidade.
A deputada Alex Davies-Jones, por exemplo, também referiu que antes de iniciar o seu mandato em 2019 se tinha reunido com Hoyle, que lhe assegurou que poderia amamentar o seu bebé na Câmara quando precisasse – algo fundamental, uma vez que os debates podem chegar a durar seis horas, o que coloca as mães que estão a amamentar numa posição difícil, afirma.
“Isto parece um pouco um retrocesso no progresso que fizemos”, diz Davies-Jones. “O Parlamento deveria ser uma luz de proa em termos de igualdade e representação”, e dar o exemplo em termos de regras que as empresas também devem adotar para garantir a equidade.
O próprio Primeiro Ministro britânico, Boris Johnson, apoiou igualmente Creasy e afirmou que gostaria de ver melhorias neste campo. “Compreendemos completamente as dificuldades enfrentadas pelos deputados que são mães, pais ou adotantes e o Parlamento tem feito algumas mudanças positivas no sentido de se tornar mais family-friendly nos últimos anos, incluindo na votação por procuração”, disse um porta-voz do primeiro-ministro. “Queremos garantir que todos os locais de trabalho são modernos, flexíveis e adequados para os pais. Este é obviamente um assunto importante para a Câmara. Sei que emitiram uma declaração sobre isso hoje, mas queremos muito ver mais melhorias”, continuou.
Apesar da controvérsia, não é a primeira vez que deputadas ou outras personalidades políticas se fazem acompanhar pelos filhos no trabalho. A ex-deputada Jo Swinson terá sido, em 2018, a primeira mulher a levar o seu filho de três meses para um debate na Câmara dos Comuns. Também em 2018, Jacinda Arden, Primeira Ministra da Nova Zelândia, foi a primeira líder mundial a levar a filha bebé para a Assembleia Geral das Nações Unidas.