Numa carta aberta publicada no jornal norte-americano The Washington Post, que diz “Por favor, Justin Bieber, não atue para o regime que matou o meu noivo”, Hatice Cengiz apela ao artista canadiano para que cancele o seu concerto na cidade de Jidá, a segunda maior da Arábia Saudita.
“Esta é uma oportunidade única para enviar uma mensagem poderosa ao mundo de que o seu nome e talento não serão utilizados para restaurar a reputação de um regime que mata os seus críticos”, escreveu Cengiz na carta.
Jamal Khashoggi era um jornalista saudita que criticou fortemente o regime saudita, bem como o Rei Salman da Arábia Saudita e o Príncipe Herdeiro Mohammad bin Salman. Após ter fugido do país em 2017 e se ter exilado nos Estados Unidos da América, passou a contribuir regularmente para o The Washington Post.
A 2 de outubro de 2018, um dia antes do seu casamento, Khashoggi foi morto no interior do Consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, após ter-se dirigido ao local acreditando que iria apenas recolher documentação necessária para o casamento. Cengiz tinha-se deslocado com Khashoggi ao Consulado, e esperava por ele no exterior.
Após investigação, concluiu-se que o assassinato foi ordenado pelo Príncipe Herdeiro Mohammad bin Salman, o que causou grande tensão diplomática e levou muitas organizações protetoras dos direitos humanos a pedir justiça para o caso. A ONU declarou o homicídio de Khashoggi um “crime internacional”, e recomendou que os alegadamente envolvidos no ato fossem levados à justiça.
Agora, a noiva do jornalista apela a Bieber para que tome uma posição e cancele o seu concerto na Arábia Saudita.
“Saiba que o seu convite para participar num concerto em Jidá vem diretamente do Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita. Nada de significativo acontece na Arábia Saudita sem o seu consentimento, e certamente não um evento tão importante como este”, apela, acrescentando que centenas de cidadãos da Arábia Saudita se encontram na prisão por expressarem desacordo ou críticas face ao regime saudita, que chama de “uma ditadura sem piedade”.
Justin Bieber faz parte de um grupo de artistas – que inclui o rapper A$AP Rocky, o cantor Jason Derulo e os DJs David Guetta e Tiesto – que irão atuar no Grand Prix de Fórmula 1 na Arábia Saudita. A organização não governamental Human Rights Watch já apelou também aos artistas para que usassem as suas vozes para falar publicamente sobre questões relacionadas com os direitos humanos, ou para não participarem no evento de todo. Existe ainda uma petição online que visa apelar a artistas, atores, atletas e outras personalidades para que tomem uma posição contra os abusos dos direitos humanos perpetrados pelo regime saudita.
De acordo com a ONG, “a Arábia Saudita tem um historial de utilização de celebridades e de grandes eventos internacionais para desviar o escrutínio dos seus abusos”, sendo que neste evento em específico “a intenção do governo saudita é usar estas celebridades para ‘branquear’ o seu abismal registo de violações de direitos humanos”.
A Human Rights Watch e outras ONGs têm documentado práticas abusivas por parte do governo saudita contra dissidentes e ativistas pacíficos, estando muitos deles presos, proibidos de sair do país ou a enfrentar tortura.
“Os cidadãos e residentes sauditas devem desfrutar de entretenimento e eventos desportivos de alto nível, mas também devem gozar de direitos básicos como a liberdade de expressão e de reunião pacífica”, diz Michael Page, diretor adjunto para o Médio Oriente da Human Rights Watch. “Assim, quando as celebridades de Hollywood, atletas internacionais, e outras celebridades globais aceitam dinheiro do governo para atuarem na Arábia Saudita enquanto se mantêm em silêncio sobre as violações de direitos atrozes do governo, estão a impulsionar a estratégia do reino de branquear os abusos do Príncipe Herdeiro Mohammad bin Salman”.
Em fevereiro, a administração do Presidente norte-americano Joe Biden lançou um relatório que comprovou o envolvimento do Príncipe Herdeiro Mohammed bin Salman, que apontam como o líder de facto do país, no homicídio de Jamal Khashoggi. No entanto, os EUA não impuseram qualquer punição ao Príncipe Herdeiro “num esforço de preservar as relações diplomáticas com o reino” da Arábia Saudita, o que gerou crítica internacional.
“Não cante para os assassinos do meu querido Jamal. Por favor, fale e condene o seu assassino, Mohammed bin Salman. A sua voz será ouvida por milhões. Se se recusar a ser um peão do regime saudita, a sua mensagem será bem alta e clara: eu não atuo para ditadores. Eu escolho a justiça e a liberdade em vez do dinheiro”, continua Cengiz, que lembra ao cantor canadiano que recentemente lançou dois álbuns, com os nomes “Justice” (justiça) e “Freedom” (liberdade): duas coisas de que a Arábia Saudita precisa desesperadamente.