Numa publicação na rede social Twitter, António Guterres disse que os generais deviam “ter em atenção” aos protestos de sábado. “É altura de regressar aos acordos constitucionais legítimos”, sustentou.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) referia-se ao acordo de partilha de poder que estabeleceu um regime militar-civil conjunto após o derrube do autocrata de longa data Omar al-Bashir e do seu governo islâmico, em abril de 2019.
Entretanto, o enviado das Nações Unidas para o Sudão, Volker Perthes, disse ter-se encontrado hoje com Abdalla Hamdok, o primeiro-ministro deposto, que permanece em prisão domiciliária na capital, Cartum.
“Discutimos opções de mediação e o caminho a seguir para o Sudão. Vou continuar estes esforços com outros responsáveis sudaneses”, disse.
Desde a semana passada, representantes da ONU têm tentado a mediação entre os militares e os líderes do movimento pró-democracia.
Um oficial militar disse estarem em curso outros esforços, também apoiados pela ONU, mas conduzidos por um comité sudanês que iniciou reuniões separadas, na semana passada, com Hamdok e o líder do golpe, o general Abdel-Fattah Burhan.
Este oficial, que falou sob anonimato por não estar autorizado a divulgar a informação, disse que Hamdok ainda é o principal candidato a liderar um governo que reportaria aos generais no comando. Contudo, se não aceitasse o cargo, outras figuras sudanesas poderiam fazê-lo.
Continua, contudo, ainda por clarificar, qual mandato que este governo teria. O general Burhan disse repetidamente, nas semanas anteriores ao golpe, que os militares apenas entregariam o poder a um governo eleito.
Antes do golpe militar, o Sudão era dirigido por um governo de transição que incluía um conselho soberano conjunto militar-civil e um gabinete, chefiado por Hamdok, que assumia os assuntos de gestão quotidiana.
O oficial disse ainda que, nestas negociações, o primeiro-ministro insistiu na libertação de todos os funcionários do governo e líderes políticos detidos desde o golpe, antes de iniciar “conversações efetivas” para formar um novo governo.
Segundo acrescentou, Hamdok exigiu também o retorno à ordem constitucional prévia ao golpe, que estabeleceria, depois, um prazo em que a liderança total do país seria entregue a civis.
Burhan deu uma aprovação prévia à libertação da maioria dos oficiais detidos, mas disse que alguns terão de permanecer sob custódia por, supostamente, terem estado envolvidos numa tentativa de golpe frustrada em setembro, disse também o oficial.
Este responsável acrescentou estar ainda em causa uma questão de ordem semântica: os militares não consideram sua tomada do país como um golpe, argumentando que já fizeram parte do governo.
Burhan afirmou que formaria um novo governo tecnocrata em breve, com o objetivo de levar a cabo eleições em julho de 2023. Contudo, o movimento pró-democracia teme que os militares não tenham intenção de abrandar o comando e acabem por nomear políticos que podem controlar.
Qualquer novo primeiro-ministro além de Hamdok enfrentaria, provavelmente, a oposição por parte dos manifestantes pró-democracia.
Segundo alega Burhan, a tomada de poder pelos militares foi necessária para evitar uma guerra civil, face ao que descreve como divisões crescentes entre os grupos políticos no país.
No entanto, o golpe militar ocorreu menos de um mês antes de ter de entregar parte do poder a um civil.
A Associação de Profissionais do Sudão, que esteve na linha da frente da revolta contra al-Bashir e lidera agora os protestos anti-golpe, insiste na destituição do conselho militar liderado por Burhan e na responsabilização dos autores do golpe.
“Precisamos de um governo civil pleno após nossa experiência de dois anos com os militares”, disse Mohammed Yousef al-Mustafa, porta-voz da associação.
Entretanto, muitas empresas e lojas permanecem fechadas em Cartum e Omdurman, na sequência dos apelos à greve e desobediência civil por parte do movimento de protesto.
As autoridades reabriram muitas estradas e pontes que ligam os bairros de Cartum, nas margens do rio Nilo. Outros permanecem bloqueados por barricadas improvisadas, montadas pelos manifestantes durante a noite.
Os protestos de sábado foram, até agora, os mais intensos desde o golpe militar. As forças de segurança mataram três manifestantes em Omdurman durante os protestos, elevando a contagem para pelo menos 12 mortos e mais de 280 feridos desde segunda-feira, de acordo com o Comité de Médicos do Sudão.
A polícia sudanesa disse, contudo, que as suas forças não usaram munições reais contra os manifestantes no sábado.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, manifestou a sua preocupação com a violência contra os manifestantes, pedindo que os perpetradores sejam responsabilizados.
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