Grupos pró-democracia convocaram marchas de protesto em todo o país para exigir a reinstalação do governo de transição deposto e libertar da detenção figuras políticas.
A transição do Sudão para a democracia começou em 2019, quando uma revolta popular forçou a retirada do autocrata Omar al-Bashir e do governo aliado islâmico, após quase três décadas no poder.
O enviado especial das Nações Unidas para o Sudão, Volker Perthes, reuniu-se na sexta-feira com o general Mohammed Hamdan Dagalo, um líder golpista próximo do general Abdel-Fattah Burhan e que comanda as Forças de Apoio Rápido, uma unidade paramilitar que controla as ruas da capital Cartum e que desempenhou um papel importante no golpe.
Numa mensagem na rede social Twitter Perthes divulgou que, nas conversas com Deagalo, “enfatizou a necessidade de calma, permitindo protestos pacíficos e evitando qualquer confronto”.
Clément Nyaletsossi Voule, relator especial da ONU sobre o direito à liberdade de reunião e associação pacíficas, pediu às forças de segurança que evitem a violência contra os manifestantes, sublinhando que os seus elementos “serão responsabilizados individualmente por qualquer uso excessivo de força”, divulgou a agência Associated Press (AP).
As manifestações, sob a bandeira de “Retroceder é impossível”, foram convocadas pela Associação de Profissionais do Sudão e pelos chamados Comités de Resistência, organizações que estiveram na linha de frente do levantamento contra al-Bashir e o seu governo islâmico e que exigem o desmantelamento do conselho militar no poder, liderado por Burhan, e a entrega do governo aos civis.
A lista de reivindicações inclui também o desmantelamento de grupos paramilitares e a reestruturação das agências militares, de inteligência e de segurança para afastar oficiais ainda leais a al-Bashir.
Os manifestantes invadiram as ruas de Cartum e de Omdurman, temendo-se que as forças de segurança possam recorrer à violência para dispersar os contestatários.
Desde segunda-feira, as tropas têm disparado balas de borracha e gás lacrimogéneo contra os manifestantes anti-golpe, alguns dos quais foram espancados com paus e chicotes, refere a AP.
Desde a tomada militar, tem havido protestos diários nas ruas de rua diários e pelos menos nove pessoas foram mortas por disparos das forças de segurança, de acordo com o Comité de Médicos do Sudão e ativistas. Pelo menos 170 outras pessoas ficaram feridas, de acordo com a ONU.
O Sudão foi palco de protestos violentos nos últimos anos, contra o regime do ditador Omar al Bashir, como o de 03 de junho de 2019, quando as forças de segurança, especialmente as Forças de Apoio Rápido, dispersaram uma manifestação em Cartum com munições reais, matando mais de 100 pessoas e ferindo pelo menos 700, de acordo com a Amnistia Internacional.
O general Al-Burhan, chefe das Forças Armadas sudanesas, anunciou na segunda-feira na televisão estatal do país a dissolução do Governo e do Conselho Soberano — o mais alto órgão executivo do país –, a suspensão de vários pontos da carta constitucional aprovada em agosto de 2019 e que estabelece um roteiro para a realização de eleições, e a instauração do estado de emergência.
A tomada de poder pelos militares foi amplamente condenada pela comunidade internacional.
A tomada do poder pelos militares na segunda-feira seguiu-se a semanas de crescente tensão política no país, intensificadas como uma tentativa de golpe de Estado em 21 de setembro último.
Esforços de membros civis do Governo em reformar o setor da segurança no país geraram uma forte reação dos militares, inclusive de Al-Burhan.
Os militares deixaram de participar em reuniões conjuntas com membros civis, o que atrasou, por exemplo, a aprovação por parte do Conselho de Ministros de entregar o antigo ditador Omar al-Bashir e outros dois responsáveis do regime deposto em abril de 2019 ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
Nas primeiras horas de 25 de outubro, os militares prenderam pelo menos cinco ministros, bem como outros funcionários e líderes políticos, incluindo o primeiro-ministro Abdalla Hamdok, levando-os para um local não revelado.
DA/(MPE) // MAG