Os talibãs voltaram a levar a cabo manifestações públicas de justiça, desta vez na cidade de Herat, segundo noticia a CNN.
No mês passado, os corpos de quatro (alegados) criminosos foram expostos publicamente, pendurados em gruas, depois de terem sido executados pelos talibãs. Os quatro indivíduos tentaram sequestrar um comerciante e o respetivo filho naquela cidade, tendo sido depois capturados e sumariamente julgados pela milícia que governa o país desde 15 de Agosto. No pescoço de um dos homens estava pendurado um aviso: “Os raptores serão punidos assim”. A exposição pública de cadáveres de prevaricadores da lei islâmica (sharia) era já uma uma prática habitual no antigo emirado do Afeganistão, entre 1996 e 2001, e contava igualmente com significativo apoio popular. Ao que parece, atualmente, pouco ou nada mudou.
“As pessoas estão satisfeitas com esta decisão”, diz um homem presente na multidão. “As pessoas acreditam que fazendo isto, o rapto deixará de ser um problema na cidade”.
Numa outra situação, dois homens com os rostos pintados de negro e cordas ao pescoço foram obrigados a desfilar frente a um numeroso grupo de espetadores, um castigo que os talibãs aplicam a roubos de pequena importância.
Sobre estas manifestações de “justiça”, um comerciante de Cabul, identificado como Amaan, explicou: “Não é bom vermos estas pessoas serem humilhadas em público, mas isso detém os criminosos porque quando as pessoas vêm algo assim, pensam logo ‘não quero que aquilo me aconteça'”.
Novas regras para a polícia religiosa
Para evitar críticas domésticas e internacionais, o movimento fundamentalista tenta adotar uma estratégia de relações públicas bem diferente da que seguia há mais de duas décadas. Em Ghazni, no sul do país, a polícia patrulha as ruas e zela pela nova ordem políco-religiosa, mas parece adotar uma postura amigável, apresentando-se e cumprimentando a população – apesar da pose marcial e de estarem armados. Para as câmaras da CNN, perguntam até a um comerciante o que pensa das atuais condições de segurança, agora que os talibã regressaram ao poder. A situação atual é boa, responde o homem.
Mais tarde, os oficiais reúnem alguns clientes e vendedores no mercado local para lhes explicarem a importância de seguirem a sharia. “Tratem as vossas mulheres em conformidade com a lei Islâmica e certifiquem-se de que elas estão vestidas modestamente”, diz um deles à multidão. “Elas não devem viajar sem a companhia de um familiar masculino próximo”.
A polícia deve agora cumprir um conjunto de regras que delimitam a sua ação e constam de um folheto recém publicado. Mawlavi Abdullah Mohammad, responsável pelo Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício – o antigo Ministério da Mulher, que o regime renomeou o mês passado -, explica: “Nós agimos de acordo com a lei. Primeiro, informamos as pessoas sobre boas ações. Pregamos-lhes e entregamos-lhes a mensagem de uma forma agradável; à segunda vez repetimos-lhes, mais uma vez; à terceira vez falamos-lhes com um pouco de dureza”.
“Obedecemos a leis e regras. Nós aconselhamos, mas agredir alguém ou enviar-lhes cartas de aviso, é contra a nossa política. Se alguém fez isto, é um ato de auto-afirmação”, continua.
Alguns continuam a não acreditar na “moderação” do novo governo
No entanto, nem todos podem confirmar esta nova abordagem da polícia. Em Cabul, Wahid, cujo nome foi alterado por razões de segurança, foi intercetado por um grupo de talibãs por estar a usar roupa de estilo ocidental. Os três homens pararam-no durante o dia, numa rua com bastante trânsito, e levaram-no para uma instalação onde exigiram ver o seu telemóvel. Wahid é homossexual, e os oficiais aperceberam-se disso ao acederem aos conteúdos do aparelho e verem algumas fotografias.
Os três homens começaram a agredi-lo, primeiro com um chicote e depois com um pau. Dois deles seguravam-lhe nos braços enquanto o terceiro lhe batia. “Eles cobriram a minha boca e disseram-me para não fazer barulho, porque se o fizesse ainda me batiam mais. Por isso tive de suportar a dor sem gritar”, conta Wahid. “Enquanto me espancavam, diziam-me que eu era gay e que devia ser morto”.
Infelizmente, a vida para as pessoas LGBT+ nunca foi fácil em Cabul e no Afeganistão, diz Wahid, este tipo de situações é a repetição do que já acontecera há um quarto de século. “Agora tenho medo de me vestir como antes, porque eles disseram-me que se me voltassem a ver assim ou com aquelas fotografias no telemóvel, me matavam”, sublinha, que não acredita que a violência do movimento talibã desapareça assim tão facilmente.
Em setembro, Mullah Nooruddin Turabi, líder talibã que cumpriu funções como Ministro da Justiça durante o anterior emirado, disse que o grupo voltará a levar a cabo execuções e amputações de mãos, mas talvez não em público, defendendo que estas medidas são “necessárias para a segurança” e que têm um “efeito dissuasor”. “Iremos zelar pela paz e pela estabilidade. Quando introduzirmos as nossas regras, ninguém se atreverá a quebrá-las”, advertiu.
No entanto, Turabi também admite algumas diferenças em relação à forma como ele e os seus pares governaram antes o país. “Somos diferentes”, continua, dizendo que o novo executivo vai permitir “novidades” como a televisão ou os telemóveis “porque essas coisas são necessidades das pessoas, e estamos comprometidos com isso”.
NO entanto, certos grupos mais vulneráveis – mulheres, membros da comunidade LGBT+, jornalistas, entre outros – continuam preocupados com o futuro do país. Najibullah Quraishi, um jornalista afegão, numa entrevista à National Public Radio (NPR), recusa acreditar que o governo Talibã se tenha tornado assim tão moderado.
“Não sei porque é que prometeram (…) que iam ser mais moderados, mas não acho que seja o caso. De acordo com o que tenho reparado, (…) não houve quaisquer mudanças desde o regime Talibã dos anos 90 para o regime Talibã de 2021”, diz, acrescentando que, embora as sentenças severas como açoitamentos, amputação de mãos e execuções tenham regressado, os oficiais tentam levar a cabo essas medidas “longe dos olhos dos meios de comunicação, em especial dos meios de comunicação ocidentais”.