O especialista em estratégia militar sul-africano, Abel Esterhuyse, defendeu hoje à Lusa o esclarecimento dos objetivos a alcançar pelas tropas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) na região de Cabo Delgado, em Moçambique.
“Julgo que é importante diferenciar três aspetos críticos: a capacidade militar da SADC para realizar operações, a natureza da insurgência que estamos a enfrentar em Cabo Delgado e o que estas forças deveriam estar a fazer no terreno”, afirmou Esterhuyse, em entrevista à Lusa.
“Na minha opinião, existe uma questão crítica por esclarecer neste momento sobre o que é que as forças da SADC devem estar a fazer precisamente em Cabo Delgado”, acrescentou.
O analista sul-africano, responsável pelo departamento de Estudos Estratégicos da Faculdade de Ciência Militar da Universidade de Stellenbosch, no Cabo, questionou também se a expectativa da operação militar da SADC no país vizinho é fazer “contra-insurgência”, lidando com a instabilidade e insurgência locais ou “se estão lá no terreno para prestar apoio às Forças Armadas moçambicanas em termos de formação”.
“Até agora vimos que foram relativamente eficientes em mobilizar parte das forças, porque o grande contingente das Forças Armadas sul-africanas não se encontra até ao momento na área, é ainda um grupo de forças embrionário, trata-se apenas de um contingente de forças especiais porque ainda não destacaram as forças principais”, salientou.
Na ótica do especialista sul-africano em estratégia militar, até ao momento constatou-se “uma eficácia relativa” no combate a “alguns” dos problemas na região norte de Moçambique, “o mesmo acontecendo com as forças ruandesas”, sublinhando que a questão principal se prende com “a natureza da insurgência” em Cabo Delgado.
“Não estou totalmente convencido de que estamos a enfrentar um movimento de insurgência tradicional”, referiu Abel Esterhuyse.
“Se analisarmos, julgo que o que estamos a enfrentar em Cabo Delgado é uma insurgência criminosa do tipo de entidades oportunistas que se movimentam realizando ações oportunistas com o objetivo de extorquirem dinheiro”, considerou.
Todavia, referiu o analista militar sul-africano, “na raiz do problema” temos “uma emergência complexa onde a falta de governação é gritante, isto é, há um espaço que não está a ser governado e que repentinamente passou a ser o foco de desenvolvimento com inúmeras expectativas de vários grupos interessados, com muito crime organizado naquela área”.
Tudo isto associado a “uma campanha de terror que ninguém conhece na realidade qual é, e que intimida as populações, e depois o envolvimento em toda esta equação de forças de segurança, de forças políticas opostas, e de empresas militares privadas que confundem ainda mais todo o quadro de insurgência”, explicou.
“Julgo que um dos problemas principais que as forças de segurança enfrentam neste momento, em Cabo Delgado, é a falta de inteligência”, frisou o académico e especialista em estratégia militar.
“Enquanto não conseguirem implementar as bases sólidas de um sistema de informações que consiga dar cobertura às forças de contra-insurgência, sobre o que está realmente a acontecer naquela área, as forças conseguirão atacar alvos de oportunidade, mas não vão conseguir lidar com o problema de forma compreensiva”, antecipou.
Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a SADC permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas de Cabo Delgado onde havia rebeldes, nomeadamente a vila de Mocímboa da Praia, que estava ocupada desde agosto de 2020.
A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.
CYH // LFS