Em Portugal, “quase uma nação inteira confiou na ciência”. É assim que começa o artigo do jornal norte-americano The Washington Post que, na semana passada, destacou o sucesso do combate à Covid-19 em Portugal, em especial do plano de vacinação. O País tem uma das mais altas taxas de vacinação do mundo e, com alguns centros de vacinação a reduzir o horário de atendimento ou mesmo a preparar o fecho, Portugal é considerado um “laboratório pandémico de ponta – um lugar onde questões até agora hipotéticas sobre o futuro do coronavírus podem começar a ser respondidas”, segundo o jornal.
Os indicadores da gravidade da pandemia estão a decrescer consistentemente – em Portugal a mortalidade é “metade da média da União Europeia” e “nove vezes inferior à dos Estados Unidos da América”, realça o diário norte-americano. Contudo, estes resultados não significam que estejamos fora de perigo, uma vez que “a imunidade de grupo continua indefinida”, lê-se. Com o vírus SARS-CoV-2 ainda a provocar alguns danos, ainda que mais reduzidos, o vice-almirante que liderou a task force da vacinação, Henrique Gouveia e Melo, e a ministra da Saúde, Marta Temido, pedem prudência, em declarações ao Washington Post: “Atingimos um ótimo resultado, mas não é a solução ou o milagre que se poderia esperar”, resumiu Marta Temido.
Um dos fatores que mais preocupa as autoridades de saúde é a chegada do inverno e de uma potencial nova vaga, que pode aumentar as hospitalizações em conjunto com os efeitos do vírus da gripe. Neste contexto, a preocupação recai sobre os mais idosos, que tendem a perder anticorpos à medida que o tempo passa – tendo em conta que foram os primeiros a ser vacinados, alguns há mais de seis meses.
De facto, o jornal norte-americano refere um estudo levado a cabo pelo Instituto Gulbenkian da Ciência, que contou com 500 utentes de lares, todos vacinados com a vacina da Pfizer-BioNTech. Após a vacinação, 95% dos idosos tinham desenvolvido anticorpos. No entanto, quando os mesmos testes foram realizados este verão, mais de um terço dos idosos tinha perdido completamente os anticorpos desenvolvidos.
Jocelyne Demengeot, investigadora no Instituto Gulbenkian da Ciência, alerta no entanto que estes resultados podem não significar necessariamente uma perda da proteção contra os casos mais graves da doença e de morte, uma vez que é possível que os sistemas imunitários dos idosos possam ter “aprendido” a combater exposições futuras ao vírus.
Mesmo assim, os riscos não são inexistentes – uma das questões que se tem colocado é a necessidade de ser administrada uma terceira dose da vacina a pessoas que, como os idosos, têm um sistema imunitário mais frágil, como já se tem feito nos Estados Unidos da América, no Reino Unido, na França e na Alemanha.
Quando confrontado com a ideia, Henrique Gouveia e Melo não vê a necessidade de avançar para essa fase. O vice-almirante – que o Washington Post descreve como “a celebridade do momento nas capas de revista” e “uma voz urgente e insubstituível no País” – está mais preocupado com a baixa taxa de vacinação nos países menos desenvolvidos.
Para Gouveia e Melo, “o melhor passo para Portugal seria concentrarmo-nos em ajudar outros países – não só por razões ‘morais’, mas também pela nossa própria segurança”, lê-se no artigo. Territórios com taxas de vacinação mais baixas são oportunidades perfeitas para o vírus se transformar e evoluir para novas variantes que podem ser potencialmente mais letais e mais contagiosas. “Não podemos vencer vacinando apenas toda a gente no nosso país”, diz o vice-almirante. “A guerra só termina quando vacinarmos toda a gente no mundo”.