Rosário fez o alerta na análise intitulada “Por um entendimento da intervenção militar ruandesa no combate ao ´jihadismo` em Cabo Delgado” publicada no boletim “Diálogos: governação” da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a maior e mais antiga do país.
“Enquanto a sociedade local continuar fora de um Estado completamente ausente, registarem-se na região altos níveis de pobreza e não existirem políticas de combate à corrupção, endémica, que beneficia as elites ligadas ao aparelho do Estado, não serão as RDF [sigla inglesa de Forças de Defesa do Ruanda] que vão acabar com a insurgência”, disse o pesquisador.
Domingos do Rosário assinalou que o aumento do perímetro de segurança dos projetos de gás natural — entretanto suspensos devido aos ataques armados — tem sido a maior preocupação das ações conjuntas das Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas e as forças ruandesas.
Essa abordagem, prossegue, tem o potencial de aumentar a radicalização dos jovens da província de Cabo Delgado e expandir a ação de grupos armados para outras províncias do norte.
“Limpar a área [palco da ação dos grupos armados] para assegurar o retorno do projeto de LGN [sigla inglesa de gás natural liquefeito], não é sustentável, no sentido em que pode resultar na rápida expansão interna do conflito, como aliás se tem verificado com os recentes ataques na província do Niassa”, observa o investigador.
Domingos do Rosário assinala que o estancamento da insurgência armada em Cabo Delgado passa pela implementação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento social e económico.
Defende igualmente que a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), entidade estatal, deve impulsionar o desenvolvimento social e económico das três províncias da região norte e travar a radicalização, evitando a sua utilização pelo clientelismo político e partidário.
Domingos do Rosário aponta o insucesso da intervenção militar francesa contra o islamismo na região do Sahel como prova da ineficácia da abordagem militar contra conflitos que tem uma raiz social e económica.
Rosário assinala que a presença de militares ruandeses na luta contra os rebeldes em Cabo Delgado teve o “endosso” de França, visando a proteção do investimento da petrolífera francesa Total nos projetos de gás natural.
Por outro lado, serve à projeção geoestratégica da influência do regime do Presidente ruandês Paul Kagamé e a estratégia de neutralização de opositores políticos e militares de Kigali.
“A França endossou a intervenção militar ruandesa não apenas para defender os seus interesses económicos em Moçambique, mas também para conseguir, em troca, a retomada de relações diplomáticas e económicas com o Ruanda, uma das economias mais prósperas do continente, com o qual tinha rompido relações depois do genocídio de 1994”, naquele país dos Grandes Lagos.
Ao aceitar intervir militarmente em Moçambique, o Ruanda está a capitalizar a sua presença em Cabo Delgado para ganhar um novo aliado na África Austral e evitar que rebeldes hutus ruandeses e dissidentes do regime de Paul Kagamé se aliem aos ‘jihadistas’ do norte de Moçambique e abram uma frente militar, a qualquer altura, acrescenta.
A luta contra os insurgentes em Cabo Delgado ganhou um novo impulso, quando forças conjuntas de Moçambique e do Ruanda reconquistaram a estratégica vila portuária de Mocímboa da Praia, que estava nas mãos dos rebeldes desde 23 de março.
Além da presença das forças ruandesas, o combate aos grupos armados conta com um contingente militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Na terça-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, disse que a ação dos grupos armados resultou na morte de mais de duas mil pessoas, fuga de mais de 850 mil e destruição de centenas de infraestruturas sociais e económicas.
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