Na madrugada desta quarta feira, 12 de maio, um indivíduo de 52 anos e a sua filha de 16 foram apanhados por um míssil quando tentavam fugir de casa. De nada lhes valeu a Cúpula de Ferro, o famoso sistema israelita anti-mísseis que deveria proteger os cidadãos do estado hebraico de quaisquer ataques aéreos. Pai e filha morreram em Lod, uma pacata cidade a sul de Telavive que reflete as contradições e os paradoxos do conflito que há mais de sete décadas opõe árabes e judeus.
Esta nova vaga de violência, iniciada há exatamente um mês, com as restrições impostas por Israel aos fiéis palestinianos de Jerusalém Oriental, ameaça degenerar num conflito de consequências imprevisíveis. O Hamas, movimento de resistência islâmica que conta com o apoio do Irão e controla a Faixa de Gaza desde 2007, decidiu esta terça-feira lançar uma chuva de rockets sobre Telavive e os principais centros urbanos israelitas, enquanto o Governo de Benjamin Netanyahu ordenou uma campanha de bombardeamentos sem precedentes nos últimos sete anos sobre o território mais densamente povoado do planeta (Gaza tem uma área inferior ao concelho de Sintra onde se acumulam mais de dois milhões de pessoas), arrasando um emblemático edifício do enclave, a torre Hanady, no bairro de Al Rimal, onde supostamente funcionava um centro operacional das brigadas Al Qassam, braço armado do Hamas.
Se do lado israelita há a registar seis vítimas mortais, do lado palestiniano são, pelo menos 43, incluindo 13 crianças, havendo ainda centenas de feridos e mutilados. Números que vão seguramente aumentar nas próximas horas, com Tor Wennesland, o enviado especial da ONU para o (caduco) processo de paz no Médio Oriente, a dizer que se caminha a passos largos para “uma guerra em larga escala” que “já está a ser paga por civis inocentes”. O Conselho de Segurança das Nações Unidas deverá ainda hoje reunir de emergência mas é pouco provável que seja aprovada qualquer resolução que permita acabar com as hostilidades e muito menos forçar um cessar fogo. O Hamas promete vingar os seus mártires através da operação a que chama “Espada de Jerusalém”, enquanto Netanyahu afirma que os raides sobre Gaza vão ser “mais frequentes e de maior intensidade”, após ter decretado o estado de sítio e mobilizado cinco mil reservistas que vão participar nas manobras militares intituladas “Guardião das Muralhas”.
Cerca de 21% da população de Israel é árabe e em cidades como Lod estão a alastrar os confrontos entre judeus e muçulmanos
A lógica bélica convém às duas partes. O primeiro-ministro hebraico, enleado num processo de corrupção que o pode colocar atrás das grades, pode desempenhar o papel de comandante-chefe da Tsahal e desviar as atenções do marasmo político em que o seu país se encontra, com quatro eleições gerais inconclusivas em dois anos e com uma eventual quinta a caminho. Quanto à radical organização palestiniana, Ian Lustick, professor da Universidade da Pensilvânia, em declarações à Foreign Policy, apresenta uma curiosa explicação: “O Hamas está a tentar alargar o seu jogo político, procurando capitalizar a simpatia das massas árabes da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental e até de Israel”. Para já, tendo em conta o que se passa no terreno, o académico que acaba de publicar um livro sobre o futuro de Israel e da Palestina – Paradigm Lost: From Two State Solution to One State Reality – parece ter acertado em cheio: Lod, a cidade onde faleceram pai e filha de que se fala no início deste texto, está a ser palco de motins e de confrontos que põem em causa a coexistência pacífica entre os árabes e os judeus que aí residem. Além dos muitos carros incendiados, três sinagogas, uma escola hebraica e um cemitério muçulmano foram vandalizados, com o presidente da autarquia a dizer aos media que “a cidade está à beira da guerra civil”. Para Yair Revivo, trata-se de uma nova “Intifada dos israelitas árabes”. Convém sublinhar que 21% da população de Israel é árabe, tal como o homem que perdeu a vida no quintal de casa com a filha de 16 anos.