Neste preciso momento, dois cruzeiros de luxo, com mais de um milhar de passageiros e tripulantes a bordo, deveriam estar a caminho do Atlântico Sul. Destino final: Santa Helena, uma ilha vulcânica descoberta, em 1502, pelo navegador galego João da Nova, ao serviço da coroa portuguesa, que viria depois a tornar-se um entreposto estratégico entre o Velho Continente e a Índia. Devido à pandemia e às restrições dela resultantes, a viagem teve de ser cancelada, mas o que conta são as intenções. Muitos dos que planeavam desembarcar no inóspito território que integra o Reino Unido, e que fica 1 800 quilómetros ao largo da costa angolana e um pouco mais da costa brasileira, arranjaram um expediente alternativo e menos dispendioso para cumprir os seus intentos. A troco de apenas 10 euros podem prestar homenagem à mais ilustre personagem que alguma vez residiu em Santa Helena e ver colocada na respetiva campa um ramo de perpétuas amarelas, devidamente personalizado.
Na manhã da próxima quarta-feira, 5 de maio, as flores serão depositadas naquela que foi a primeira sepultura do francês mais conhecido do mundo, Napoleão Bonaparte. No mesmo dia, mas às 17h15, hora exata em que o antigo imperador deu o último suspiro, com 51 anos, haverá outra cerimónia que se inicia com dois minutos de silêncio, no exterior da mansão onde ele viveu desterrado, entre 1816 e 1821, com os (previsivelmente poucos) convidados a terem oportunidade de assistir aos discursos da praxe e a um pequeno concerto musical. A jornada deve terminar com os presentes a darem um passeio pelos jardins que circundam o edifício conhecido como Longwood House e que foram desenhados pelo seu antigo proprietário – curiosamente, e a exemplo do que sucedeu há dois séculos, ninguém estará autorizado a entrar nos aposentos privados da ambivalente criatura nascida na Córsega e que continua a despertar paixões e outros tantos ódios. Os meios de comunicação social franceses são um excelente barómetro disso mesmo, como que a darem razão ao governante egocêntrico e megalómano que era igualmente um artista na arte de comunicar e de manipular para escrever a História à sua medida: “A bala que me pode matar terá o meu nome”, já ele dizia em vida, referindo-se à sua imortalidade.