Ao longo de décadas, a sua postura aristocrática e altiva, típica de quem serve a coroa no Palácio de Buckingham, refletia a imagem de um homem conservador. No entanto, o humor – demasiadas vezes inconveniente – sempre foi uma das suas características mais marcantes. “Onde é que arranjou esse chapéu?”, perguntou o príncipe Filipe à sua mulher no dia em que esta acedeu ao trono e se tornou Isabel II.
Filipe Mountbatten, Duque de Edimburgo, foi o príncipe consorte que mais anos deteve esse estatuto na história britânica – no total, 69 anos no Palácio de Buckingham. Nascido Príncipe da Grécia e Dinamarca, em 1921, a sua família foi expulsa do seu país natal pela Revolução Grega que destronou o seu pai. A família veio a exilar-se no Reino Unido, onde Filipe cresceu e foi educado. O príncipe consorte, retirado das suas funções públicas desde 2017, foi o homem mais velho da história da família real. Ao longo dos últimos 73 anos, esteve sempre ao lado de Isabel II, acompanhando a monarca desde o final da segunda guerra mundial, onde o próprio combateu, até aos seus últimos meses de vida num ambiente de semi-reclusão, devido à pandemia. A longa vida de Filipe é indissociável do casamento real mais marcante dos tempos modernos.
Filipe e Isabel cruzaram-se pela primeira vez em 1934, num casamento entre membros das respetivas famílias – ele tinha apenas 13 anos e Lilibet, como a monarca era conhecida na infância, contava 8 anos. Uma vez que ambos tinham a mesma trisavó, a Rainha Vitória, eram primos em terceiro grau, pelo que estes encontros familiares eram frequentes. Daí em diante, continuaram a ver-se nos salões dos palácios do Reino Unido e nem a Segunda Guerra os conseguiu separar: Filipe serviu a Marinha Real no Mediterrâneo e no Pacífico; ela, na fase final do conflito, voluntariou-se para Serviço Territorial onde, de uniforme, ainda fez de condutora e mecânica de ambulâncias. Passado um ano sobre o armistício, em 1946, Filipe pediu Isabel em casamento. A princesa aceitou. O seu pai, Jorge VI, impôs que a união fosse adiada até que a sua filha mais velha completasse 21 anos, e assim se cumpriu a vontade do monarca: em novembro de 1947, o jovem casal deu finalmente o nó, na abadia de Westminster.
Apesar de ser uma escolha tradicional para o papel, uma vez que tinha nascido num berço real, o nome de Filipe não foi consensual, na época, entre os círculos da Casa de Windsor – o homem nascido na Grécia sofreu críticas por ser um “estrangeiro”, que não devia ocupar o papel de futuro príncipe consorte. Ainda assim, o casamento avançou. Nos seus primeiros anos de união, Isabel e Filipe viveram em Malta, onde Filipe estava a servir na Marinha, e tiveram dois filhos: Carlos e Ana – mais tarde, nasceriam também André e Eduardo. Mas, passado pouco tempo na ilha do Mediterrâneo, foram obrigados a regressar a Londres: o estado de saúde do Rei Jorge VI, estava a deteriorar-se. Em 1952, numa visita de estado ao Quénia, Isabel e Filipe souberam da morte do monarca e tiveram de regressar definitivamente a casa: Isabel tornava-se rainha do império britânico – e Filipe, com 31 anos, começou as suas funções como príncipe consorte da Commonwealth.
Pouco tempo antes de se tornar príncipe consorte, Filipe tinha chegado ao cargo de comandante da Marinha, cargo que teve de abandonar devido às suas novas funções como “número dois” da casa real. Ao longo destes seus longos 69 anos, o Duque de Edimburgo foi presidente, doador e membro de mais de 780 diferentes organizações. Esta veia filantrópica, associada aos altos cargos da coroa, levou-o a protagonizar mais de 22 mil aparições individuais em eventos públicos, que terminaram em maio de 2017 – aos 96 anos, o Palácio de Buckingham anunciou que o príncipe se ia finalmente reformar das suas ocupações profissionais. Foi o final de um percurso marcado por milhares de visitas a locais distintos, desde laboratórios, fábricas e minas do Reino Unido, aos corredores das Nações Unidas, do Parlamento Britânico e das antigas colónias.
Nestas décadas, muitos consideram que a iniciativa mais marcante do príncipe Filipe foi a criação do Prémio Duque de Edimburgo. Lançado pela primeira vez em 1956, o projeto veio a tornar-se no mais importante prémio da juventude do mundo – desde então, milhões de jovens com idades entre os 14 e os 24 anos, oriundos de mais de 140 países diferentes, participaram nesta iniciativa que visa incentivar o serviço às suas comunidades e a aprendizagem fora da sala de aula. O projeto chegou a Portugal em 1990, com o nome Prémio Infante D. Henrique.
Entre esta carreira de filantropia e serviço ao povo britânico, algumas das famosas “gafes” do príncipe Filipe fizeram as delícias de milhões de pessoas por todo o mundo… e surpreenderam ou indignaram outras tantas. A sua antologia de blagues poderia encher um livro com centenas de páginas. Numa visita à China, em 1986, Filipe alertou os estudantes britânicos que, se ficassem lá muito mais tempo, “iriam ficar com os olhos em bico.” Cinco anos antes, quando o Reino Unido sofria uma forte recessão económica, afirmava que “toda a gente estava a dizer que queriam mais tempo livre. Agora estão a queixar-se que estão desempregadas.” Em 1967, confessou que queria muito ir à Rússia, “apesar daqueles palhaços terem assassinado metade da minha família”. Em 1999, quando se dirigia a um grupo de jovens surdos em Cardiff, que tinham formado uma banda escolar, afirmou: “Se vivem ao lado desta banda, não é surpreendente que estejam surdos.”
Apesar de todos os comentários inconvenientes, o príncipe nunca mudou a sua forma de estar até ao final da vida. Fã do mar, de grandes máquinas e das velocidades, continuou a voar até ser septuagenário e só deixou de conduzir há precisamente dois anos e devido a um grave acidente rodoviário em que destruíu o seu potente todo-o-terreno. A rainha e respetiva prole – quatros filhos (Carlos, Ana, André e Eduardo), oito netos e nove bisnetos – tudo farão para imortalizar o príncipe que nasceu a 10 de junho de 1921 na ilha grega de Corfu.