O relato é de Carlos Almeida, o coordenador nacional da Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) Helpo, que chegou à zona afetada pelo Idai poucos dias depois de o ciclone atingir a região.
Em declarações à agência Lusa, disse que quando aterrou em Moçambique se deparou com um cenário desanimador, com as crianças e as mulheres grávidas numa situação de ainda maior fragilidade.
“Todas as colheitas foram perdidas e as pessoas iriam passar muito mal nos meses seguintes sem este apoio. Sem a identificação de casos de desnutrição aguda teríamos perdido muitas vidas”, afirmou.
Estes casos graves foram encaminhados para os centros de saúde e desde então foi prestado um apoio alimentar a estas famílias, que ainda recebem ajuda desta ONGD que se mantém no terreno a apoiar mais de 13 mil pessoas em nove reassentamentos, na província de Manica.
Apesar de habitualmente a Helpo trabalhar em projetos de desenvolvimento e não de emergência, teve de recentrar a sua atuação para uma resposta imediata.
“O que conseguimos fazer na perfeição foi uma boa ligação entre a resposta de emergência que foi dada no imediato. Conseguimos salvar vidas naquele momento e agora, com o projeto RESPI – Reconstrução e resiliência nas estruturas de saúde e população pós-Idai, continuamos a dar apoio a estas pessoas”.
“Estamos a treinar ativistas na área da saúde para que estes sinais de alarme que aparecem nas crianças e nas mulheres grávidas sejam mais prontamente notificados e encaminhados para os centros de saúde”, disse.
O RESPI desenvolve-se na região do Dombe e é liderado pela Helpo, focando-se na saúde nutricional maternoinfantil.
Segundo Carlos Almeida, as pessoas continuam muito traumatizadas com a situação da água e ficam inquietas assim que as chuvas começam a cair.
No terreno, este dirigente associativo ouviu histórias de momentos de terror vividos por sobreviventes que, durante a noite, se depararam com a subida das águas a invadir o seu espaço.
“As pessoas só tiveram tempo de agarrar nas suas crianças e subir às árvores”, contou.
A água também levou as colheitas, que foram totalmente destruídas, principalmente junto dos leitos dos rios. Os seus proprietários estão ainda nos centros de reassentamento, nomeadamente aqueles que são apoiados pela Helpo.
Esta organização está ainda a esclarecer as famílias sobre a alimentação dos filhos, demonstrando que não basta encher a barriga dos bebés até eles se calarem.
“Com a nossa presença, passaram a saber que há alimentos ricos que devem ser priorizados e que até têm ao seu dispor e que por falta de informação não sabem”, disse.
O objetivo é dar alternativas alimentares às pessoas, nomeadamente sempre que surjam fenómenos que estraguem as colheitas.
“As famílias nesta região do Dombe estão agora mais preparadas para enfrentar futuras calamidades”, disse, reconhecendo que estes são traumas “difíceis de apagar”.
E concluiu: “Acreditamos que estas famílias, entre si, têm que ganhar forças onde não as têm, mas se há característica do povo moçambicano é a resiliência, porque estão habituados a aguentar com muita coisa, mas também a erguer-se e a enfrentar”.
O ciclone Idai, que atingiu Moçambique a 14 de março de 2019, causou a morte de 600 pessoas e milhares continuam ainda sem casa, sem acesso a saneamento e água potável e com casos graves de desnutrição.
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