Foi durante uma visita a Moscovo, na semana passada, que o principal diplomata da União Europeia, Josep Borrel, Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros, expressou publicamente a esperança de que a vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Rússia seja brevemente utilizada em todos os 27. “Será uma boa notícia porque estamos a enfrentar uma escassez de vacinas”, disse. “É uma boa notícia para toda a humanidade”.
As declarações feitas num tom elogioso não foram assim tão bem recebidas pelos seus congéneres em Bruxelas – já que a missão do representante da política externa europeia era pedir a libertação do opositor do regime, Alexei Navalny… – mas a verdade é que, esta terça-feira, 9, poucos dias depois da polémica, a agência de notícias russa já dava como certa a entrega do pedido de registo da Sputnik V à União Europeia – e que agora a cabe à EMA (sigla inglesa para Agência Europeia do Medicamento) decidir se autoriza o seu uso de emergência na UE. Perante o anúncio, a EMA, em comunicado lançado ao início da tarde desta quarta-feira, alegou que ainda não lhe chegara qualquer documentação. Os russos também não demoraram a responder.
Para já, estão autorizadas as vacinas da Pfizer/BioNtech, da Moderna e da AstraZeneca – mas a Hungria deu já um passo mais à frente, aprovando o uso da Sputnik V dentro das suas fronteiras. O pedido foi oficialmente feito no final de janeiro, fez saber o Fundo Russo de Investimento Direto, que investiu na produção e distribuição da vacina desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, o centro nacional de epidemiologia e microbiologia da Rússia. Antes, a UE recebera um extenso dossiê sobre o imunizante, que esteve em avaliação desde outubro.
Agora, e embora não haja ainda garantias de aprovação – o que muitos analistas consideram uma grande vitória geopolítica para a Rússia, a enfrentar possíveis sanções do Ocidente por causa da prisão de Navalny – os dados estão objetivamente do seu lado: segundo um estudo publicado na prestigiada The Lancet, na semana passada, a Sputnik V é 91 por cento eficax contra a Covid-19, o que faz aumentar a confiança internacional em relação àquela vacina, após meses de ceticismo por causa da sua rápida aprovação na Rússia, logo em agosto passado.
Segura, eficaz e rápida de produzir…
Segundo os resultados do estudo publicado naquela revista médica britânica, e depois de avaliar dados de cerca de 20 mil pessoas na Rússia, a dita Sputnik V revelou grandes resultados em termos de imunogenicidade – ou a capacidade de uma substância desencadear uma resposta imunitária do organismo – e também de segurança, numa análise de um ensaio clínico na fase 3, cumprindo assim os requisitos para registo e aprovação de utilização pelas autoridades sanitárias.
A análise incluiu dados de precisamente 19 866 voluntários, que receberam a primeira e a segunda doses da vacina Sputnik V, ou seu placebo, entre os quais foram confirmados 78 casos de Covid-19. Além disso, segundo o estudo, entre os 2 144 idosos com mais de 60 anos que participaram, a taxa de eficácia foi de 91,8% – não diferindo estatisticamente do grupo de 18 a 60 anos, afastando assim receios de não puder ser aplicada à população mais velha.
“Entre os casos analisados, mais de 98% dos voluntários desenvolveram uma resposta imune humoral e 100% uma resposta imune celular. O nível de anticorpos neutralizantes do vírus nos voluntários vacinados com Sputnik V é 1,3 a 1,5 vezes maior do que o nível de anticorpos dos pacientes que se recuperaram da Covid-19”, precisou, em comunicado, o Fundo de Investimento Direto Russo, que patrocinou o desenvolvimento da vacina, citado pela CNN.
São resultados que, recorde-se, põe a Sputnik V entre as três vacinas mundiais já conhecidas a demonstrar uma eficácia acima de 90 por cento, ao lado da vacina da Pfizer/BioNtech, com 95%, e do imunizante da Moderna, com eficácia de 94,5 por cento. Além disso, acrescenta o estudo da The Lancet, a vacina russa também apresentou “excelente perfil de segurança”, já que a maioria dos eventos adversos (94%) foram leves e incluíram sintomas como os da gripe, reações no local da injeção, dor de cabeça e fraqueza generalizada, não se tendo registado casos de alergia fortes ou de choques anafiláticos.
“É um grande sucesso na batalha global contra a pandemia de Covid-19”, congratulou-se já Alexander Gintsburg, diretor do Instituto Gamaleya, citado pela Deutsche Welle, depois de afiançar que a vacina é não só “altamente eficaz em todas as faixas etárias” como “fácil de fabricar e distribuir”. O que, no cenário de escassez global de vacinas, com assumidos problemas logísticos na sua distribuição, também joga a seu favor para entrar em breve no espaço europeu.
Agitação na indústria
Na verdade, já entrou: a Hungria fez saber esta semana que se preparava para lançar a sua campanha de vacinação em massa com recurso à vacina russa, já aprovada em diversos outros países em todo o mundo, como a Venezuela, a Bolívia ou a Argentina, e ainda a Sérvia e a Argélia. E a possibilidade de essa aprovação de alargar já está também a agitar alguma indústria – tendo em conta a crise que o continente enfrenta com o seu programa de vacinação, em que as encomendas dão e sobram para imunizar as populações, mas a velocidade de entrega está lenta e, pior, há disputas políticas em curso.
Daí o frenesim que está já a provocar na Alemanha, onde o ministro da Saúde, Jens Spahn, deu conta de negociações a decorrerem com Moscovo para produzir o fármaco no país, e depois de o governo da Saxónia ter confirmado que a Rússia contactara a empresa IDT Biologika, a fim de discutir a produção conjunta da Sputnik V no leste alemão.
“Não há ressalvas ideológicas contra a Sputnik V. Saudamos tudo o que possa ajudar na luta contra o SARS CoV-2, disse à imprensa um porta-voz do governador daquela região alemã, Rainer Haseloff. “Se a IDT Biologika quer produzir a vacina russa e esta for aprovada pela União Europeia, nós obviamente faremos tudo para o concretizar”.