No dia 20 de janeiro, milhões de pessoas de todo o mundo vão assistir à tomada de posse do Presidente dos EUA. Entre atuações musicais, rituais religiosos e discursos, o novo líder presta o seu juramento solene com a mão esquerda na Bíblia e a mão direita no ar. Trata-se de um dos momentos mais importantes da democracia americana – mais do que toda a pompa e circunstância evidenciados na sua celebração, a Inauguration (tomada de posse) marca uma transição pacífica do poder, independentemente de lutas políticas.
Este ritual, que já dura deste o mandato do primeiro presidente, George Washington, assemelha-se a uma autêntica coroação de um monarca – e não é por acaso que assim o é. Os pais fundadores dos EUA, inspirados nos rituais de coroação dos reis e rainhas da Europa, decidiram que esta cerimónia seria importante para assegurar a reconciliação pacífica dos cidadãos com os titulares de altos cargos políticos do seu país, assim como a sua legitimidade para governar. Ao longo dos anos, a cerimónia foi adquirindo novos contornos – Thomas Jefferson foi o primeiro presidente a tomar posse no Capitólio e James Madison organizou o primeiro baile de inauguração, em 1809. Em 1981, Ronald Reagan mudou a cerimónia do Pórtico Este do Capitólio para a Frente Oeste, onde mais pessoas poderiam assistir nas ruas de Washington D.C.
Foram vários os presidentes que tinham grandes desafios nas mãos quando tomaram posse: na sua Inauguration, Abraham Lincoln enfrentava um país na iminência de uma guerra civil (que veio a acontecer) entre os Estados do Norte, contra a escravatura, e os Estados do Sul, esclavagistas. Woodrow Wilson, em 1917, tomou posse a meio da primeira guerra mundial – assim como Roosevelt, em 1941, durante a segunda grande guerra. O desafio de Joe Biden de unir a nação e de combater a pandemia da Covid-19 que assola o país junta-se a um leque de importantes combates assumidos por norte-americanos ao longo dos anos.
Os momentos insólitos da tomada de posse
Apesar da sua importância e grande dimensão, foram várias as tomadas de posse que não correram exatamente como planeado. Foi na primeira Inauguration da história dos EUA, de George Washington, que começaram os problemas técnicos. Eleito no dia 9 de janeiro de 1789, o primeiro presidente dos EUA teve de esperar 57 dias pela sua tomada de posse – apesar de ter sido eleito por unanimidade no Colégio Eleitoral, o Congresso não conseguia atingir o quórum necessário para aprovar os seus resultados eleitorais. Quando os resultados foram finalmente aprovados e Washington foi fazer o juramento solene no dia 30 de abril, em Nova Iorque, os organizadores descobriram que… não tinha uma Bíblia na mão. Rapidamente pediram uma emprestada a uma loja maçónica nos arredores e a cerimónia prosseguiu.
Passados 30 anos, a tomada de posse de Andrew Jackson, que atraiu uma multidão de 20 mil apoiantes para celebrar o seu juramento na Casa Branca, foi palco de um momento ainda mais insólito. Tudo corria bem – até que uma rixa se desencadeou no meio dos espetadores, com mobília destruída e vidros partidos. O novo presidente foi obrigado a saltar de uma janela para fugir do caos.
Também a segunda tomada de posse de Abraham Lincoln, em 1865, não correu às mil maravilhas. Apesar de não se registar qualquer violência na cerimónia, num momento em que os EUA ainda estavam em guerra civil, a atenção virou-se para o seu vice-presidente Andrew Johnson. Depois de ter tomado alguns whiskeys “medicinais” para se calmar, Johnson aparentava estar altamente embriagado quando fez o seu juramento – a que Lincoln assistiu visivelmente embaraçado. Passado um mês, Johnson viria a fazer o juramente novamente, mas desta vez como presidente dos EUA, face ao homicídio de Lincoln no Teatro Ford.
Um século e dezoito tomadas de posse depois, chega a tomada de posse de John F. Kennedy, repleta de momentos não planeados. Perante uma cidade de Washington coberta de neve, o vice-presidente Lyndon B. Johnson enganou-se no seu juramento – em vez de dizer “sem qualquer tipo de reserva mental”, afirmou “sem qualquer reserva mental ou propósito de evasão.” Poucos momentos depois, o pódio começou a arder devido a um choque elétrico. No fim, o poeta Robert Frost ia apresentar uma composição original que tinha escrito para a ocasião, mas foi incapaz de lê-la devido ao reflexo do sol na neve. Apesar de todos estes imprevistos, a taxa de aprovação de Kennedy subiu para 75% depois da sua tomada de posse, graças a um discurso impactante.
Os momentos insólitos não terminam daqui – ainda se conta o momento em que um galo fugiu de uma quinta e invadiu a tomada de posse de Richard Nixon em 1973, ou a cerimónia de Obama, em 2009, na qual o seu Procurador-Geral John Roberts trocou a ordem de uma palavra do seu juramento e foi obrigado a repeti-lo no dia seguinte, na Casa Branca, tal foi a revolta de vários constitucionalistas norte-americanos com a imprecisão.
Depois de um mandato de quatro anos de Donald Trump que culminou na invasão do Capitólio dos EUA, dificilmente será um erro numa palavra do juramento que vai deixar o mundo em choque na tomada de posse de Joe Biden. Até ao momento, um dos ensaios da tomada de de posse já foi interrompido por razões de segurança – resta saber se acontecerá outro tipo de peripécia na sua cerimónia, que vai contar com 25 mil militares nas ruas de Washington para prevenir “terrorismo doméstico.”