“Sei quem me queria matar. Sei onde eles moram. Sei onde trabalham. Sei os seus nomes verdadeiros. Sei os seus nomes falsos. Tenho fotos deles”, começa por explicar o russo Alexei Navalny, opositor de Putin, que foi envenenado em agosto deste ano. Sem se saber quem orquestrou o crime, como foi realizado e o porquê do envenenamento, surgem agora algumas das respostas através de uma investigação da cadeia CNN e do grupo Bellingcat, que redesenharam a viagem à Sibéria, que resultou no envenenamento do opositor de Putin.
Durante meses, a agência Bellingcat analisou milhares de registos telefónicos, voos e outros documentos para perceber as ligações dos agentes da FSB, uma unidade do Serviço de Segurança Russo, à tentativa de homicídio. A conclusão foi clara: desde 2017 que Navalny andava a ser seguido. Os responsáveis pertencem a uma equipa de toxinas do FSB, que agrega seis a dez agentes – médicos, toxicologistas e paramédicos. Normalmente, viajavam em grupos de três para monitorizar o russo.
Até 2018, os agentes desta unidade usavam os seus nomes verdadeiros. A partir desse ano começaram a adotar identidades falsas, mas com um padrão que facilitou a descoberta: passaram a usar o apelido de solteira das respetivas esposas e alteraram as datas de nascimento num ano. “O ano (de aniversário) mudou, mas pouco – para ser fácil de lembrar. Bem, os apelidos: os nomes de solteira das esposas ou namoradas dos verdadeiros oficiais do FSB são usados para disfarce. Novamente, para ser mais fácil de lembrar”, diz Nalvany, no seu site oficial, que divulga as fotos dos agentes.
Sobre o envenenamento, conhecem-se agora novos pormenores sobre a teia dos agentes que organizaram o crime. Tudo aconteceu numa viagem de Navalny à Sibéria, em que foram destacadas duas equipas do FSB, “compostas por cinco ou seis agentes”. A assessora do russo, Maria Pevchikh, apanhou um voo adiantado e, já nessa altura, estaria a ser vigiada pelo agente Tayakin, destacado para espiar a viagem de ida a partir de Moscovo. Registos telefónicos comprovam que permaneceu em contacto com os agentes no terreno.
Ao todo, terão sido cerca de 10 os agentes infiltrados na operação. “Aleksandrov, Osipov e Panyaev voam de Moscovo para Novosibirsk. Makshakov (comandante da unidade do FSB) está em contacto com eles por telefone. Esses três fazem parte da equipa que me tentou matar diretamente: trouxeram o novichok (veneno mortal), escolheram um local e aplicaram-no. O coordenador Tayakin permanece em Moscovo”, continua o político.
Na noite de 19 de agosto, último dia da viagem, há registo de uma ligação a partir de um telefone que pertencia a Alexei Alexandrov, um dos agentes do FSB de 39 anos, que fazia parte da equipa de toxinas. A chamada foi feita não muito longe do hotel onde o opositor de Putin estava hospedado. Nessa noite dá-se o envenenamento. Sem saber como, as opções são várias: pode ter sido um cocktail que Navalny bebeu no hotel, mas também podem ter adicionado a substância mortal à toalha de banho ou injetado no frasco de champô.
‘Fui envenenado. Vou morrer’
“Às 00h08, o coordenador Tayakin recebe um telefonema de um membro da equipa, o oficial do FSB Alexei Krivoshchekov. Nos 40 minutos seguintes, Tayakin troca mensagens de texto com alguém e fala, ao mesmo tempo, com Makshakov. As chamadas param às 00h44. Provavelmente, a fase ativa da operação acabou – nessa altura eu já estaria envenenado”.
Na manhã seguinte, já no avião, o político sente os efeitos do veneno: “Fui até o comissário de bordo e disse: ‘Fui envenenado, vou morrer’. E então deitei-me sob os seus pés para morrer”, explica. Acabou por ser socorrido no hospital e, dias depois, foi transportado para a Alemanha, onde continuou a receber cuidados médicos.
Seguiram-se várias ligações telefónicas entre Makshakov e Tayakin, duas figuras centrais no processo. “Se a intenção era matar Navalny – e todos os toxicologistas consultados pela CNN acreditam que sim – as chamadas parecem ser a evidência de uma luta para avaliar a situação e planear os próximos passos”, adianta a cadeia de informação americana.
Do total de dez pessoas ligadas à saúde, Navalny fez questão de anumerar e apresentar algumas delas: Aleksandrov Aleksey Aleksandrovich, condutor de uma ambulância; Krivoshchekov Alexey Leonidovich, ex-funcionário do Ministério da Defesa; Tayakin Oleg Borisovich, que serviu a unidade militar do FSB e que depois se tornou cirurgião; Kudryavtsev Konstantin Borisovich, químico; e Panyaev Vladimir Alexandrovich, paramédico.
Com esta investigação como ponto de partida, Navalny espera que o país seja castigado com sanções duras. Planeia ainda voltar à Rússia quando estiver totalmente recuperado: “Eu vou voltar e vou voltar porque sou um político russo. Pertenço ao país”, conclui.