Em 2017, a startup tecnológica Memphis Meats anunciou a produção dos primeiros aperitivos de galinha criados em laboratório. Numa entrevista, o analista económico da empresa David Kay avisava que “só em 2021 é que será possível produzir estes alimentos de forma tão acessível a todos como a carne produzida de forma convencional.”
No dia 2 de dezembro, o primeiro passo para esta revolução alimentar foi dado: a Agência de Segurança Alimentar de Singapura aprovou um regulamento que permite a venda de carne criada em laboratório. A empresa responsável pelo projeto é a Eat Just, com sede em São Francisco, nos EUA, que se prepara para começar a vender aperitivos de galinha feitos a partir de cultura celular.
Graças a esta inovação, Singapura tornou-se no primeiro país do mundo a aprovar a comercialização de produtos de galinha produzidos em laboratório – o que evita os conhecidos cenários de dezenas de milhares de galinhas presas em galinheiros, que tanto podem ser um perigo para a saúde pública, como para a segurança dos trabalhadores e para o bem-estar dos próprios animais.
A missão de produzir carne em laboratório já começou há vários anos, com a participação de vários cientistas à escala mundial – por essa razão, este é um grande passo para uma tecnologia que pode mudar os hábitos alimentares do futuro.
Porquê a carne de galinha?
A carne de galinha produzida em laboratório é idêntica à carne de galinha que vem dos galinheiros. É composta por verdadeiras células de galinhas, mas é produzida através de mecanismos de crescimento celular, em fábricas, em vez de crescer como um ser vivo comum. A mesma lógica pode ser aplicada às carnes de porco, de vaca, ou de outros animais. No entanto, há uma série de razões que levou os cientistas a começar pela carne de galinha.
Em primeiro lugar, as galinhas representam a maior parte dos animais criados e mortos para produzir carne nos EUA, enquanto que, paralelamente, são criadas em condições particularmente más. Por essa razão, as galinhas são uma boa primeira opção para reduzir os impactos negativos da sua criação em galinheiros e persuadir os consumidores a comer carne produzida em laboratório.
Por outro lado, o maior desafio para esta indústria tem sido a de acertar corretamente na estrutura da carne: os produtos de laboratório ainda não têm a textura exata dos tecidos produzidos dentro de um animal. Por essa razão, um bife criado em laboratório não seria tão apelativo para os consumidores – mas há vários produtos derivados da galinha que não sofrem este entrave, por não estarem associados a uma textura específica.
Como se produz esta carne?
O primeiro passo para produzir a carne em laboratório passa por retirar as células de galinha de uma galinha viva. No entanto, este processo não passa por matar os animais – razão pela qual os seus produtores esperam poder conquistar vegetarianos e vegans, apesar de o público alvo deste tipo de produtos serem pessoas que comem carne e não vegetarianos.
Posteriormente, estas células de galinha são imersas numa solução líquida conhecida por “meio de crescimento”, que estimula o crescimento das células e leva à sua multiplicação. Hoje em dia, este líquido é composto por um soro de vacas leiteiras – apesar de os produtores afirmarem que pretendem mudar para um líquido baseado apenas em plantas. Por fim, estas células crescem dentro de um reator biológico, até produzirem carne de galinha – sem a verdadeira galinha.
De acordo com uma declaração do diretor do Good Food Institute, Bruce Friedrich, “está a chegar uma nova corrida ao espaço, para o futuro da comida” e “a carne cultivada vai marcar um enorme avanço nos nossos esforços para criar alimentos que são seguros e sustentáveis – Singapura está a liderar o caminho nesta transição.”
Os desafios do futuro
A comercialização em massa da carne produzida em laboratório pode traduzir-se numa grande vitória para o clima e para os animais. Muitos dos seus defensores acreditam que esta pode ser a maneira mais viável de acabar com a agricultura industrial e tornar o sistema de produção alimentar sustentável. Mas, como previa David Kay em 2017, este pode ser um processo demorado de implementar.
Substituir todos os produtos derivados de galinhas reais por produtos de galinha criados em laboratório, que não requerem esta estrutura exata, seria uma enorme vitória para o planeta. No entanto, ainda há uma série de obstáculos para que tal aconteça. Os projetos existentes, tal como o da empresa Eat Just em Singapura, são projetos de pequena escala, que produzem pequenas quantidades de carne para pratos especiais. Por sua vez, a indústria da carne mata dezenas de milhares de milhões de animais todos os anos. Dificilmente haverá um equilíbrio “nos pratos”, por enquanto.
Estes entraves são de diferentes ordens. Por um lado, colocam-se os desafios técnicos: replicar com precisão a textura e a estrutura de um animal real em laboratório é extremamente difícil. Até ao momento, ainda ninguém descobriu como imitar um bife de vaca – daí o foco em criar produtos como aperitivos de galinha, onde a estrutura é menos relevante para o consumidor.
A par destas dificuldades técnicas, também se impõem os custos económicos: a carne produzida em laboratório é muito mais cara que a carne proveniente da agricultura industrial. À medida que os produtos baseados na cultura celular crescem, vão sendo descobertas novas formas de poupar dinheiro e beneficiar da economia de escola. No entanto, a agricultura industrial também tem estes mesmos benefícios – ao longo de mais de um século de melhorias, o preço dos produtos derivados de galinha desceu a pique, tornando-se muito difícil competir com estes.
Apesar de todas estas dificuldades, a aprovação do regulamento no dia 2 de dezembro, em Singapura, é uma razão para ter esperança para o futuro. A indústria alimentar mundial enfrentará vários desafios ao longo das próximas décadas: desde alimentar uma classe média em crescimento a nível mundial, que quer ter acesso a uma grande variedade de alimentos a preços baixos, ao combate às alterações climáticas e à redução dos perigos que a agricultura industrial coloca à saúde pública.