Donald Trump regressou à Casa Branca no início da semana, anunciando alto e bom som que se sentia melhor do que nunca. Estava sem febre, apenas com um ligeiro aumento da tensão arterial e um nível de oxigénio no sangue considerado saudável. “Ele está de volta”, frisou Sean Conley, o médico da Casa Branca , em conferência de imprensa.
Mas, quando lhe perguntaram pelos resultados das radiografias aos pulmões – que permitiriam avaliar o quão severamente o Presidente foi afetado pela Covid-19 – Conley escusou-se a responder, citando uma lei federal que restringe o que os médicos podem partilhar sobre os seus pacientes. Logo se levantaram as maiores reservas sobre a apregoada melhoria do estado de saúde de Donald Trump. Embora a maioria dos infetados recupere, a verdade – insiste a comunidade médica – é que estamos perante um vírus imprevisível, que já matou mais de 200 mil pessoas nos EUA. E daí ser absolutamente prematuro declarar vitória.
A um mês das eleições
Em contagem decrescente para a eleição que determinará quem será o próximo presidente dos EUA, e com Trump a apostar tudo na sua reeleição, a questão pode fazer toda a diferença. E isso já explica as contradições detetadas nesta história toda.
É que, enquanto se apresenta como forte e inabalável face à Covid-19, a imprensa americana acredita que Trump terá instruído o seu médico para não dar detalhes alguns que possam abalar a sua imagem de invencível perante o que, no início do ano, considerou ser pouco mais do que “uma gripezinha”. Ou seja, se na segunda-feira Conley assinalara que o presidente não estava fora de perigo, na terça já dizia que “não havia sinais da doença” e que Trump estava “extremamente bem”.
A evidente contradição deixou logo uma série de outros médicos de sobreaviso – afinal, Trump está ainda na fase fulcral dos sete a dez dias após o início dos sintomas e rapidamente o cenário pode inverter-se. E aos 74 anos, homem e moderadamente obeso, o atual presidente dos EUA cumpre os requisitos para ser considerado paciente de risco.
Suspeitas crescentes
“Não preciso de me meter nos assuntos do presidente”, comentou logo Talmadge E. King Jr., especialista em cuidados críticos pulmonares e reitor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em São Francisco. No entanto, sublinhou, “se o seu objetivo é que compreendamos o que se passa, há muita informação útil que ficou por dizer”.
Implícita está a suspeita de que Trump tenha passado, pelo menos em algum momento, por uma fase mais grave de Covid-19, com uma deterioração da função pulmonar e um nível de oxigénio no sangue inferior a 94%, abaixo, portanto, dos 95 a 100 considerados normais. Segundo Conley, esse valor terá até estado nos 93%, no sábado – mas depois foi muito evasivo quando o questionaram se alguma vez esteve abaixo dos 90 por cento.
Foi nesse momento que deixou escapar que o nível de oxigénio do presidente americano “nunca tinha descido para os baixos 80”, o que, claro, deixou em aberto a possibilidade de doença grave. Isto já depois de ter reconhecido que Trump recebeu oxigénio duas vezes, tendo iniciado tratamento com dexametasona, um esteroide recomendado pela Organização Mundial de Saúde apenas para doentes com formas graves da Covid-19. Sabe-se ainda que o presidente americano também recebeu uma infusão de um cocktail experimental de anticorpos, além de remdesivir, que é um antiviral.
As razões dos (outros) médicos
“Com tantos medicamentos, parece claro que a sua função pulmonar foi afetada” considerou já Mangala Narasimhan, pneumologista e diretor dos serviços de cuidados críticos da Northwell Health em Nova Iorque. Craig M. Coopersmith, diretor do Centro de Cuidados Críticos Emory em Atlanta e um membro do painel dos Institutos Nacionais de Saúde que emitiu as diretrizes de dexametasona, assume também que se Trump recebeu algum oxigénio é porque “atingiu o limiar de doença grave”.
Ilan Schwartz, doutor em doenças infecciosas e professor assistente na Universidade de Alberta, tem a mesma opinião. “Como médico, abstenho-me de comentar alguém que ainda não examinei”, disse ele. “Mas, neste caso, os sinais clínicos são tão óbvios que se veem bem à distância, mesmo em vídeos de poucos segundos”. Como os tais que mostravam o momento em que Trump regressou Casa Branca, depois de deixar o hospital – e que mostravam o Presidente a tirar a máscara e com aparente dificuldade respiratória.