As contas são simples e, talvez por isso também, tão assustadoras: cerca de 10% da população de Moçambique precisa atualmente de ajuda para sobreviver; 80% das pessoas não tem capacidade financeira para seguir uma dieta adequada; 42,3% das crianças com menos de 5 anos sofrem de raquitismo. Os dados são do Programa Alimentar Mundial (WFP na sigla em inglês), que recorda ainda que Moçambique ocupa o 180.º lugar entre os 189 países que compõe o Índice de Desenvolvimento Humano 2019.
Depois de os ciclones Idai e Kenneth terem assolado o país, em março e abril do ano passado, deixando milhares de desalojados e destruindo centenas de hectares de culturas – recorde-se que praticamente metade da população recorre a uma economia de subsistência –, a violência em Cabo Delgado escalou de forma exponencial, desde o final do verão passado. Organizações alegadamente ligadas ao auto-proclamado Estado Islâmico têm espalhado o terror na região, como a VISÃO tem vindo a dar conta, tendo provocado já centenas de mortos e milhares de desalojados. A fuga das comunidades da província de Nampula estão também a penalizar o ecossistema do arquipélago das Quirimbas, onde as pessoas têm procurado refúgio.
Esta quinta-feira, 1 de outubro, o jornal Carta de Moçambique, revela alguns nomes que se acredita serem os líderes dos ataques que há praticamente três anos devastam a região – e que nos últimos ataques têm usado mulheres e crianças como escudos humanos, provocando uma subida substancial do número de mortos.
Muitos deles são moçambicanos naturais do norte do país, como é o caso de Abdala Shaki. Escreve o ‘Carta de Moçambique’ que Shaki “era residente do bairro Pamunda, na vila-sede do distrito de Mocímboa da Praia, onde detinha também diversas residências e barracas de venda de diversos produtos. O indivíduo, que é pai de quatro filhos, era também proprietário de um estabelecimento comercial, na vila-sede do distrito de Palma, onde vendia material de construção e peças de viaturas”.
Outro dos cabecilhas dos ataques apontado pelo jornal é Bonomade Machude Omar, conhecido por Ibn Omar ou “Leão da Floresta”, que afirma ainda que muitos jovens da região norte têm sido recrutados para integrar o movimento, por mão de familiares e amigos.
Os apelos para que a comunidade internacional intervenha em Cabo Delgado têm-se multiplicado, com dezenas de ONG’s a levantar a voz e muitas delas a abandonar as missões na região por falta de segurança. Entretanto, numa carta datada de 16 de setembro, o Governo liderado por Filipe Niusy pediu oficialmente apoio à União Europeia, tanto em logística como em treino especializado para conseguir dar resposta ao terrorismo em Cabo Delgado. A carta, assinada pela Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Verónica Macamo, surge depois de a UE se ter mostrado disponível para ajudar a resolver o conflito. “Tendo em conta a necessidade de reforçar as medidas de resposta militar e de segurança, bem como contrapor o avanço dos terroristas e restabelecer a lei, ordem e tranquilidade públicas nos distritos afetados, o Governo de Moçambique considera importante o apoio na área de treino especializado para o combate ao terrorismo e insurgência, através de apoios multiformes: formação; logística para as forças de combate ao terrorismo; equipamento de assistência médica em zonas de combate e capacitação técnica do pessoal”, lê-se na carta citada pela imprensa moçambicana.
O Executivo pede ainda que a União Europeia auxilie o país na implementação de programas que ajudem a desenvolver as zonas de conflito, de forma a travar a colaboração do jovens com as organizações terroristas.
800 milhões em ajuda
Num país onde grande parte da população só sobrevive graças ao trabalho destas instituições, não é de estranhar que os números relativos à fome, à falta de abrigo e à falta de acesso a cuidados de saúde tenham vindo a aumentar significativamente. Até agosto, só o WFP tinha assegurado ajuda a 245 mil pessoas entre Cabo Delgado, Nampula e Niassa.
A juntar-se às dificuldades recorrentes, Moçambique debate-se também, como o restante globo, com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2. E embora tenha encerrado as suas fronteiras imediatamente, num sistema de saúde já deficitário, torna-se particularmente complexo garantir estruturas funcionais onde já tudo falta. É neste sentido que muitas ONG’s têm estado a diversificar as suas áreas de atuação, tentando mitigar os efeitos de uma pandemia que fez, por exemplo, com que as escolas se mantivessem de portas encerradas – com grave prejuízo para as crianças que, para além de perderem as aulas, muitas vezes comem ali a sua única refeição diária.
É nesse sentido que a WFP estima que, desde 2017 e até ao final do próximo ano, seja preciso alocar cerca de 806 milhões de dólares a esta economia. E isto apenas para se conseguirem cumprir os mínimos básicos da sobrevivência.