O alerta é feito no mais recente relatório libertado pelo Escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês): Moçambique precisa de 103,6 milhões de dólares, cerca de 92 milhões de euros, para fazer face à Covid-19 e à onda de violência que teima em não abrandar em Cabo Delgado, região norte do país.
A pandemia causada pelo SARS-Cov2 chegou àquele território numa altura em que as necessidades de ajuda humanitária de Moçambique continuavam a escalar, precisamente um ano depois de o país ter sido atingido pelos ciclones Idai e Kenneth. Tal como a VISÃO tem dado conta, há quase 100 mil desalojados e, pelo menos, 2,5 milhões de pessoas com necessidades urgentes de assistência em todo o país.
Os surtos de cólera e malária que sucederam aos ciclones deixaram o já frágil sistema de saúde moçambicano à beira do colapso, e numa altura em que os casos de Covid-19 parecem escalar, a situação tende a agravar-se.
Por outro lado, em Cabo Delgado a violência continua a causar mortes e milhares de desalojados, muitos dos quais já tinham perdido tudo durante o ciclone Kenneth. A situação, se já era preocupante, agora é quase trágica, alertam as autoridades.
Foi neste sentido que a ONU fez dois apelos distintos à comunidade internacional: um no âmbito do combate à Covid-19, no valor de 68 milhões de dólares (16 milhões dirigidos ao setor da saúde e os restantes 52 milhões destinados à nutrição e saneamento, sobretudo), e um outro para responder à situação em Cabo Delgado, no valor de 35 milhões de dólares.
“Estes apelos vão complementar os esforços levados a cabo pelo Governo de Moçambique, através do Instituto Nacional de Gestão de Catástrofes (INGC), para apoiar o povo moçambicano, particularmente os que têm sido desalojados devido à ação de grupos armados na província de Cabo Delgado, e aos afetados pelo impacto da pandemia de Covid-19”, explicou a diretora-geral do INGC, Luísa Meque, citada numa nota libertada pelo OCHA.
Numa altura em que as famílias estão a esgotar as suas já parcas reservas, a Covid-19 veio agravar a questão da insegurança alimentar. A organização internacional estima que nos próximos nove meses, 67 500 crianças precisem de receber tratamento para a desnutrição. Atualmente, já há três mil em tratamentos.
Recorde-se que os ciclones Idai e Kenneth destruíram mais de 770 mil hectares de colheitas, em 2019, e que até agora não foi possível garantir nenhuma sementeira suficiente para alimentar todos os que passam necessidades. As crianças, que muitas vezes tinham na escola a sua única refeição diária, deixaram de poder frequentar os estabelecimentos de ensino devido às regras de isolamento impostas pelo novo coronavírus. Atualmente, 235 mil tinham acesso aos programas de nutrição que lhes garantiam o mínimo para estarem de saúde.
Estima-se que milhares delas nunca mais voltem aos bancos da escola, para além de verem agravadas as suas já significativas carências alimentares.
As ONG presentes no terreno têm tentado redobrar os esforços para responder também à pandemia de Covid-19, mas numa altura em que o mundo está todo em suspenso, o financiamento tende a reduzir-se praticamente na mesma proporção em que as necessidades aumentam.
O apelo da ONU, feito num comunicado libertado esta quinta-feira, 4 de junho, recorda ainda que vários estudos apontam para que, após a existência de uma pandemia, o número de casamentos forçados entre jovens e crianças e o trabalho infantil aumente consideravelmente. Daí ser tão relevante o compromisso de países terceiros em ajudar uma economia que há anos luta para se manter. De salientar que há várias ONG portuguesas no terreno, desde há muitos anos, e que a grande maioria destas já se adaptou às necessidades da população moçambicana e, a par com os projetos que desenvolviam anteriormente, têm estado também empenhadas em ajudar no combate à proliferação da Covid-19 naquele país.