Em dezenas de cidades americanas, instalou-se o caos na sequência da morte de George Floyd – uma onda de indignação de uma população cansada da discriminação racial violenta por parte da polícia.
Milhares de pessoas nas ruas, gritos de revolta, cartazes com frases de apoio à mudança, a união de várias comunidades, além de episódios de destruição, estão longe de ser uma situação nova. Nas últimas décadas, o padrão repete-se: um negro é brutalmente atacado por brancos, muitas vezes polícias, e seguem-se manifestações antirracistas, com maior ou menor grau de violência. Estes são alguns dos episódios mais marcantes.
1968 – Martin Luther King é assassinado
A 4 de abril de 1968, Martin Luther King, Nobel da Paz em 1964, foi baleado em Memphis. O negro que lutou pela igualdade de direitos no país durante as décadas de 1950 e 1960 tinha 39 anos quando foi assassinado a tiro por um supremacista branco. Os Estados Unidos foram então invadidos por uma onda de protestos nas principais cidades do país, como Nova Iorque, Boston e Los Angeles. A violência foi evitada pelas ações rápidas de ativistas e políticos, que conseguiram conter os ânimos, mas o episódio ficou gravado na memória de muitos como sendo o momento do despertar para a necessidade de combater a discriminação racial, continuando o caminho de Luther King.
1991 – Ataque a Rodney King
Na noite de 3 de março de 1991, Rodney King, de 25 anos, conduzia alcoolizado por Los Angeles a alta velocidade, com dois amigos no carro. A polícia da cidade iniciou uma perseguição para deter o veículo de King, que estava em liberdade condicional por roubo. Quando os agentes conseguiram parar o carro, King saiu do veículo e foi pontapeado e atacado com bastões, enquanto estava no chão, indefeso, antes de ser algemado. Este episódio de violência policial talvez nunca tivesse sido revelado, não fosse um cidadão ter registado o incidente numa gravação que entretanto foi tornada pública. As imagens indignaram milhares de pessoas, mas parecia que ia ser feita justiça – o sargento Stacey Koon e os agentes Theodore Briseño, Laurence Powell e Timothy Wind foram acusados dos crimes de ataque com armas e uso excessivo da força.
No entanto, em abril de 1992 um júri absolveu os agentes da maioria das acusações. O veredito causou indignação e ira na população negra, que viu na decisão do tribunal um novo exemplo de injustiça e discriminação. Incêndios, saques e ataques violentos transformaram Los Angeles numa cidade quase sem lei e imersa no caos, com 12 pessoas mortas no primeiro dia de protestos. As autoridades declararam o estado de emergência e forças militares tomaram a cidade para tentar controlar a situação caótica nas ruas. Após seis dias, os motins de Los Angeles terminaram, com um total de 55 mortos e cerca de dois mil feridos.
2014 – Morte de Laquan McDonald
Laquan McDonald, um adolescente negro de 17 anos, foi morto no dia 20 de outubro de 2014 pelo agente Van Dyke, da polícia de Chicago. Numa primeira abordagem a polícia argumenta que Van Dyke disparou por temer pela sua vida e acrescenta que McDonald, cuja autópsia revelou indícios de que pode ter consumido drogas, se comportou de forma errada, ao não cumprir as ordens dos agentes, que pediam que largasse a faca que transportava.
Num vídeo divulgado mais tarde, vê-se McDonald a correr a afastar-se de um grupo de agentes, quando é atingido pela primeira vez. Depois, aparece estendido no chão, onde aparentemente é baleado 16 vezes, e um agente não identificado aproxima-se e chuta para longe a pequena faca que McDonald segurava na mão. Este seria o primeiro caso em 35 anos em que um polícia de Chicago era acusado de homicídio de primeiro grau devido a um incidente ocorrido quando estava em serviço. O documento que relata em pormenor a sequência dos acontecimentos, incluindo as comunicações entre as patrulhas e a central, diz que um dos polícias disparou “sem justificação legal e com a intenção de matar ou de causar grandes danos físicos”.
No dias seguintes a este vídeo ter sido tornado público, vários manifestantes saíram à rua e gritaram “16 tiros”, em referência ao número de balas que atingiram Laquan McDonald.
2020 – George Floyd, Breonna Taylor, Ahmaud Arbery
A 23 de fevereiro deste ano. Ahmaud Arbery, um jovem de 25 anos do Estado da Geórgia, foi morto enquanto fazia jogging. Numa primeira defesa, Gregory e Travis McMichael, pai e filho, responsáveis pelo homicídio, declararam que este era muito parecido com um sujeito que tinha estado envolvido em assaltos a casas. O jovem terá sido perseguido e depois alvo de uma espera por parte dos McMichael, armados. Travis, de 34 anos, começou a lutar com Ahmaud antes de se ouvirem tiros. Arbery morreu imediatamente. O episódio foi gravado por um telemóvel de uma pessoa que seguia num carro. A morte de Arbery gerou a revolta da comunidade afro-americana, a pedir justiça para o jovem assassinado.
A 13 de março, nova tragédia. Tudo aconteceu pela uma da madrugada: Breonna Taylor, de 26 anos, e o namorado, Kenneth Walker, 27 anos, estavam a dormir quando três polícias à paisana do Departamento da Polícia de Louisville, no Estado do Kentucky, invadiram a casa do casal, com um mandado de busca, à procura de um individuo suspeito de tráfico de drogas. Os jovens pensaram que estavam a ser assaltados, segundo o relato da mãe de Taylor, Tamika Palmer, e ligaram para a linha de emergência. De seguida, Kenneth, pegou na sua arma de fogo (para a qual tinha licença) e disparou contra a perna de um dos homens que haviam entrado na casa. Em resposta, os agentes disparam “cegamente” (segundo a investigação em curso) mais de 20 tiros; oito atingiram Breonna, paramédica de profissão, que acabou por morrer. Kenneth foi preso e acusado de agressão e tentativa de homicídio de um polícia. A morte de Breonna Taylor voltou a alimentar a indignação.
A morte de George Floyd foi a gota de água. A história do homem asfixiado por um polícia durante nove minutos, três dos quais quando já não se mexia, chocou o mundo, ao ponto de a Covid-19 ter passado para segundo plano nas notícias. Na última semana a população americana tem saído às ruas, enquanto o resto do mundo se manifesta sobretudo através das redes sociais, com a hashtag #BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam) ou através da #Muted (silenciado). A publicação de imagens totalmente negras (#blackouttuesday) ou com o símbolo do punho negro fechado são formas de apoio aos que estão nas ruas a lutar pela igualdade.
#blackouttuesday