Sempre conhecemos a Antártica como o lugar mais frio do planeta. Agora, o continente gelado é também conhecido como o “lugar mais seguro do mundo” por não ter nenhum caso confirmado de Covid-19. A região esteve próxima de uma onda de contágio quando começaram a surgir casos positivos de coronavírus nas embarcações que transportavam turistas para visitar o continente, mas este risco não passou de isso mesmo, um risco. Com a chegada do inverno, este local deve continuar isolado do resto do mundo.
Mas como é viver neste paraíso gelado?
Entre cientistas e investigadores, na Antártida vivem cerca de 5000 pessoas em cerca de 80 casas.
“Eu acho que não há uma única pessoa que não esteja agradecida por estar aqui e por estar segura”, resume Keri Nelson, uma das habitantes e coordenadora administrativa da Estação Palmer da Ilha Anvers, em declarações à CNN. Keri confessa que as saudades de casa são muitas e que muitos sentem a necessidade de ajudar os que amam, principalmente durante o surto de coronavírus. “Mas todos nós gostamos muito de viver num lugar onde há não a doença, e onde todas as implicações para a saúde e a alteração do estilo de vida estão ausentes”, explica.
Mas o facto de estarem longe de todo o caos não significa que não estejam a par de tudo o que está a acontecer. “Leio tudo o que posso sobre a dinâmica dessa situação”, acrescenta Nelson, que trabalha na Antártida desde 2007. “Sinto que é meu dever como ser humano testemunhar o que está a acontecer no mundo”, diz.
Robert Taylor, de 29 anos, está instalado na Estação de Pesquisa Rothera, na Ilha Adelaide, na costa oeste da Península Antártica. O jovem trabalha como guia de campo, e ajuda os investigadores que realizam pesquisas e que asseguram todo o trabalho de campo, para que viagens sejam realizadas com segurança. “Lembro-me dos relatos que saíram da China no início de janeiro”, diz Taylor, que chegou à Antártida há seis meses. “Depois, os primeiros casos no Reino Unido, e continuava a pensar que isto era algo menor e distante, que não me afetaria”, confessa, acrescentando que só se apercebeu da dimensão da situação quando os meios de comunicação começaram a relatar novos casos, todos os dias, em todo o mundo. “É como estar na lua e olhar para baixo”, acrescenta. “Podemos ver o que está a acontecer, mas está muito longe.”
Antes da pandemia, o turismo no Ártico estava a crescer exponencialmente ao longo dos últimos anos. Segundo a Associação Internacional das Operadoras de Turismo Antártico, aproximadamente 56 mil turistas visitaram o continente durante 2018 e 2019, com um aumento de 40% em relação ao ano anterior. Para a temporada 2019-2020 esperavam-se cerca de 78 500 turistas, de novembro a março. No entanto, as estações começaram a impor restrições quando o vírus começou a espalhar-se pelo mundo e todas as visitas turísticas foram canceladas.
Keri Nelson confirma que a estação de investigação recebeu milhares de pessoas no ano passado, mas os números certamente irão diminuir devido à crise. “Vários navios param para visitar a estação, e nós também vamos aos navios, para dar palestras e fazer uma divulgação educacional”, explica ela. “No final de janeiro, enquanto assistíamos a isto tudo, paramos de receber visitas e deslocarmo-nos para os navios”.
Mesmo antes do surto, o número de visitantes que chegam à Antártida era relativamente baixo para proteger o ambiente primitivo do continente. Não podem desembarcar mais de 500 passageiros, e todos fazem um esforço entre si para garantir que existe apenas uma embarcação no local.
Embora não se saiba como serão as coisas daqui para a frente, os habitantes do continente continuam a tentar manter a sua vida normal.
Keri Nelson, de 45 anos, partilha a sua vida na Antártida no Instagram Simply Antarctica. Com mais de 7 mil seguidores, Keri, quando foi para o continente gelado, adotou hábitos que agora muitos de nós fazemos em tempo de isolamento. “Tento encontrar maneiras de me divertir com projetos pessoais”, diz. “E também me lembro que o tempo na minha mente é um luxo”. Mas ao contrário de muitos de nós, vive cerca de uma beleza natural. “A questão é que esta parte da Antártida é linda”, ” não é difícil acostumar-se e prosperar em um lugar tão bonito”.
Depois de se ter comprometido a passar 18 meses longe de tudo e todos, Robert Taylor afirma que só agora se apercebe dos privilégios que tem. “Encontrarmo-nos nesta situação, em que temos mais liberdade do que teríamos se ficássemos em casa, é difícil de processar”, diz. “A vida e o trabalho aqui estão intrinsecamente ligados. Temos a sorte de poder continuar com nossas vidas e trabalhos”. Taylor deve partir em abril de 2021, mas declara que terá que esperar para ver “qual é o novo estado da situação” antes de fazer planos e voltar para o Reino Unido.
Por enquanto, a vida na Antártida continua. “Continuaremos como se o coronavírus não tivesse acontecido. Temos um ginásio, uma sala de música, uma biblioteca, um cinema … todas as coisas que tínhamos como certo, das quais os que estão em casa sentem falta”, confirma Taylor. “Ainda podemos socializar à vontade, sem medo, dar cumprimentos e abraços quando quisermos, sentarmo-nos juntos. Não precisamos de ter medo se alguém tossir”, conclui Taylor, que admite que está a tentar apreciar o quotidiano enquanto está no “sítio mais seguro do mundo”.