Um estudo preliminar da Universidade de Cambridge, publicado no MedRXiv, identificou uma correlação entre os níveis mais altos de poluição do ar e as mortes por Covid-19, em Inglaterra. Miguel Martins, membro de um grupo de investigação de toxicologia em Inglaterra, que, em conjunto, com três alunos de doutoramento, desenvolveram o estudo, explica à VISÃO: “Com o surto da pandemia começaram a surgir alguns marcadores que associaram a poluição, tanto nos EUA, como na Europa, às taxas de mortalidade e às taxas de infeção de Covid-19. E aquilo que nós fizemos foi muito simples, analisámos os números de casos e números de mortos que existam em Inglaterra e estabelecemos uma correlação com o níveis anuais de poluição, dados que são coordenados por uma agência europeia”.
A análise demonstrou que Londres, Midlands e Noroeste são os locais que apresentam os maiores níveis de Dióxido de Nitrogénio ( NO2 ) – gás poluente que é produzido principalmente por veículos a diesel e pela industria química – e são também as regiões que contabilizam o maior número de mortes por coronavírus. Este estudo foi elaborado com dados até ao dia 8 de abril.
O grupo de investigação alerta que este estudo ainda não foi submetido a um peer-reviewed, onde é analisado e discutido por outros membros especialistas da área. Afirmando também que os dados são relevantes mas são necessários mais estudos para comprovar que a poluição é uma variável importante nas taxa de mortalidade da Covid-19. “É preciso fazer mais estudos a nível granular”, diz Miguel. “O que estamos a fazer agora é a trabalhar com uma equipa de meteorologia de Caimbridge, e tentar obter uma informação mais detalhada do nível de poluição em áreas mais pequenas e, idealmente, estudar as taxas de mortalidade e de infeção em hospitais diferentes que correspondam a essas áreas”.
Este estudo foi elaborado com dados até ao dia 8 de abril, três semanas depois de ter sido obrigatório o isolamento social em Inglaterra. Deste modo, os dados base do estudo ainda correspondem a níveis altos de poluição. “O que é interessante agora entender é, caso continuemos em isolamento, e os níveis de poluição continuarem a diminuir, se esta redução tem um impacto positivo nas taxas de infeção e mortalidade, tendo em atenção que não é o único fator de análise”, confirma Miguel Martins.
Uma nova pesquisa, publicada na revista Science of The Total Environment, relatou que das 66 regiões analisadas, as cinco mais poluídas da Itália, Espanha, França e Alemanha foram responsáveis por 78% de todas as mortes por Covid-19. Outro estudo recente, da Universidade de Harverd, relacionou o aumento da poluição do ar – aumento de partículas finas na atmosfera denominadas PM 2,5 – nos últimos anos, com o aumento da taxa de mortalidade do coronavírus nos EUA.
No geral, os cientistas confirmam a ideia de que a poluição do ar pode aumentar a susceptibilidade ao novo vírus, mas alertam que estes estudos devem ser analisados com algum cuidado. “Como epidemiologistas, somos muito cautelosos na interpretação dos estudos”, disse Mark Goldberg, da Universidade McGill, no Canadá, segundo o The Guardian, confirmando que existem sempre variáveis que podem ser fundamentais para sustentar os estudos. “Quando tentamos avaliar a causalidade, especialmente em estudos não aleatórios, precisamos de cerca de 20 a 30 estudos realmente bons”.
Estima-se que pessoas com mais de 60 anos ou pessoas com condições de saúde frágeis, como doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias crónicas, correm um maior risco de estarem expostas aos sintomas graves ou à morte por Covid-19. No estudo sobre Inglaterra, os investigadores concluem: “A exposição a longo prazo a poluentes do ar, incluindo dióxidos de nitrogénio, provenientes de gases como os do tubo escape de carros ou da produção de combustíveis fósseis, é um fator de risco conhecido para estas condições de saúde”.
A pesquisa indica uma correlação entre os níveis da poluição do ar registados em 2018 e 2019 e os dados sobre mortes na Inglaterra até 8 de abril de 2020. “Estudos futuros e mais detalhados podem elucidar ainda mais estas observações, abordando possíveis fatores de confusão, incluindo os fatores socioeconómicos, comorbidades [presença ou associação de duas ou mais doenças no mesmo paciente], idade, raça e diferenças entre os regulamentos regionais de saúde e as capacidades de suas unidades de terapia intensiva”, conferem os cientistas. O estudo também revela que o aumento dos níveis de NO2 podem estar diretamente relacionados com outra infeção pulmonar, o vírus sincicial respiratório.
Jonathan Grigg, da Universidade Queen Mary em Londres, alerta que é importante referir que o estudo é ainda preliminar. “Mas estes resultados provisórios são compatíveis com estudos publicados recentemente e confirmam o que já sabemos – que a poluição do ar tem muitos efeitos na saúde humana. Portanto, agora devemos planear como podemos evitar as emissões depois do bloqueio terminar. ”
As medidas de isolamento e os bloqueios propostos pelos governos de vários países do mundo fizeram com que houvesse uma diminuição da poluição do ar, principalmente através da redução da poluição causada pelos transportes. No entanto, a exposição à poluição do ar, antes desta pandemia, é mais importante para a realização destes estudos, o que os níveis atuais.