Mal se extinguiu o incêndio que consumiu parte de Notre-Dame, uma palavra passou a ocupar muitas mentes: reconstrução. A melhor hipótese para o conseguir surgiu dias depois, fruto do trabalho do americano Andrew Tallon. O historiador, que morreu no passado, a 9 de novembro, aos 49 anos, vítima de um cancro no cérebro, dedicou a vida ao estudo da arquitetura medieval. Há uns anos, decidiu aliar ao seu fascínio por estruturas centenárias o interesse pela tecnologia e começou a estudá-los de uma nova forma, que agora pode vir garantir a reconstrução da Catedral de Notre-Dame.
A sua persistência em encontrar novas formas de olhar para estruturas históricas levou, em 2015, a National Geographic a falar sobre o projeto que desenvolveu. “Quando se trabalha nesta área é difícil achar algo novo para dizer. É por isso que tenho usado tecnologia mais sofisticada para tentar ter novas respostas sobre os edifícios”, diz Tallon no documentário.
Em 2010, o historiador chegou a Paris pronto a desvendar ao milímetro a catedral. Com ajuda de Paul Blear, especializado em ciência da computação, recriou-o, por dentro e por fora, através de um scanner. Vasculhou todas as áreas, marcou-as e deixou o scanner trabalhar. Saiu, ao fim de cinco dias, com o resultado que quis: uma recriação única e detalhada de Notre-Dame, construída através de pontos no espaço e fotografias panorâmicas de alta resolução que o scanner a laser podia criar em 3D.
À The Atlantic, um colega, John Ochsendorf, engenheiro estrutural e professor no MIT, enalteceu o talento do homem que, entre uma vida dedicada à arquitetura medieval e aos quatro filhos, ainda era professor no College Vassar, nos Estados Unidos. “[Andrew] era implacável a digitalizar edifícios.”
Nove anos depois, o trabalho de Tallon e Blear representa um novo passo na reconstrução de edifícios. Nas palavras de Ochsendorf, trata-se de uma ferramenta essencial para captar a estrutura enquanto geometria construída. São mil milhões de pontos que, renderizados, se transformam em imagens tridimensionais. Depois de ligados e colocadas as fotografias nos locais exatos dos modelos 3D, Notre-Dame aparece construída ao pormenor.
Enquanto via a catedral ser destruída pelas chamas, Blaer não deixou de sentir alívio por Tallon não estar a assistir ao momento, mas lamenta que o colega não esteja presente para partilhar o seu conhecimento. “Conhecia [a catedral] tão bem e tinha tanta informação sobre a sua construção que seria muito útil na reconstrução”.
Para Megan Rispoli, presidente da Building Conservation Associates (Associação de Conservação de Edifícios), dos EUA, o projeto de Andrew é uma mais valia para a restauração de edifícios históricos, dado que os consegue representar exatamente como são.
A historiadora Lindsay Peterson vai ao encontro das palavras de Rispoli e acrescenta, também à The Atlantic, que olhando para a data em que foi construída, é difícil encontrar documentos que sejam corretos ou completos. Mas, caso existam, “desenhos históricos ou modernos só são precisos até determinado ponto”, explica. “A digitalização a laser garante uma precisão ao milímetro”.
Por mais que o trabalho de Andrew seja útil para a restauração, há um problema: os dados recolhidos pelos dois professores requerem imenso armazenamento e muita capacidade de processamento. Paul Blaer estima que os arquivos ocupem cerca de um terabyte (mil gigas) podendo ser armazenados num só local. No entanto, não está convicto de que consigam ficar armazenados na cloud.
Há ainda outra dificuldade à vista: caso as autoridades responsáveis pela reconstrução de Notre-Dame queiram utilizar o trabalho… terão que descobrir o seu paradeiro. Blear acha que estão na posse dos alunos de Andrew, mas Ochsendorf está mais inclinado para a hipótese de estarem com a mulher do historiador.