O Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) pediu esta segunda feira a Itália e a Malta para autorizarem imediatamente o desembarque dos 629 migrantes a bordo do Aquarius e considerou a situação um “imperativo humanitário urgente”.
Num comunicado, o ACNUR “lança um apelo aos governos implicados para que autorizem o desembarque imediato das centenas de pessoas bloqueadas no Mediterrâneo desde sábado num navio de resgate, o Aquarius”.
“Há aqui um imperativo humanitário urgente”, afirmou Vincent Cochetel, enviado especial do ACNUR para o Mediterrâneo Central, acrescentando que “as pessoas estão angustiadas, a ficar sem provisões e precisam de ajuda urgente”.
“Questões mais amplas, como quem tem responsabilidade e como essas responsabilidades devem ser partilhadas entre Estados, devem ser analisadas mais tarde”, frisou.
A Comissão Europeia também já apelou às autoridades italianas e maltesas para que resolvam assim que possível a situação dos 629 migrantes a bordo de um navio e que Itália recusa deixar desembarcar no país, encaminhando-os para Malta.
“Estamos em contacto com autoridades italianas e maltesas e a prioridade deve ser que estas pessoas desembarquem em segurança e o mais depressa possível”, disse o porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, na conferência de imprensa diária.
“Estamos a falar de pessoas, mais de 600 pessoas, incluindo menores não acompanhados”, sublinhou Schinas, acrescentando que, neste caso, “há um imperativo humanitário”.
Braço de ferro depois de recusa de Itália
Itália recusou no domingo autorizar o navio Aquarius, da organização não-governamental (ONG) francesa SOS Mediterranée, a desembarcar num porto italiano os migrantes, resgatados do mar em várias operações durante o dia de sábado.
Por ordem das autoridades italianas, o navio mantém-se em alto mar, a 35 milhas de Itália e a 27 milhas de Malta, segundo a SOS Mediterranée.
Num comunicado conjunto emitido no domingo, os ministros do Interior, Matteo Salvini, e das Infraestruturas e Transportes, Danilo Toninelli, afirmaram ter pedido oficialmente às autoridades maltesas “que, pela primeira vez desde há muito tempo, Malta assuma as suas responsabilidades”.
Mas, segundo o Ministério do Interior maltês, a responsabilidade cabe a Itália porque as operações de salvamento dos migrantes ocorreram numa zona marítima coordenada por Roma.
O navio com 629 migrantes resgatados no Mediterrâneo por uma ONG permanece hoje no mar devido ao impasse entre Itália e Malta, que lhe recusam entrada e se acusam mutuamente de violação da lei internacional.
No domingo à noite, numa mensagem colocada no Twitter, o primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, confirmou que não vai deixar aportar o navio e acusou Itália de pôr em risco as vidas dos migrantes, entre os quais há 123 menores e sete grávidas, e de desrespeitar as regras internacionais.
“Malta está a cumprir plenamente as suas obrigações internacionais e não vai receber o navio nos seus portos. Continuaremos, quando possível, a fazer retiradas individuais e humanitárias de emergência”, escreveu Muscat.
Noutra mensagem, o primeiro-ministro maltês afirmou estar “preocupado” com as instruções dadas ao navio pelas autoridades italianas, que “vão manifestamente contra as regras internacionais e arriscam criar uma situação perigosa para todos os envolvidos”.
“Salvar vidas é um dever, transformar Itália num enorme campo de refugiados, não”
Matteo Salvini, que é também o líder do partido nacionalista e xenófobo Liga, repetiu hoje de manhã, numa nova mensagem no Twitter, que não faz tenções de ceder: “Salvar vidas é um dever, transformar Itália num enorme campo de refugiados, não. Itália deixou de ceder e obedecer, desta vez HÁ ALGUÉM QUE DIZ NÃO”, escreveu.
O ministro italiano reagia à chegada hoje de manhã, ao largo da Líbia, de um outro navio fretado por uma ONG alemã, o Sea Watch.
“Associação alemã, navio holandês, Malta que não se mexe, França que rejeita e a Europa que não se importa. Basta”, acrescentou.
Também hoje, o ministro das Infraestruturas e Transportes italiano afirmou que em breve “haverá uma resposta” e que há “víveres para alguns dias” no navio.
Danilo Toninelli, que pertence ao partido antissistema Movimento 5 Estrelas, disse à televisão SkyTg24 que Roma continua à espera “da resposta oficial de Malta” ao pedido italiano para que receba o navio.
“Não nos movemos desde a noite passada, as pessoas começam a questionar-se porque estamos parados”, escreveu hoje de manhã no Twitter a jornalista Annelise Borges, que está a bordo do navio.
Sara Alonso, outra jornalista a bordo, relatou por telefone à agência EFE que “a situação é calma”, mas as pessoas “estão muito cansadas e começa a fazer muito calor na cobertura”.
“As pessoas já estão muito cansadas, estamos há dois dias no barco”, disse, explicando que os homens dormem na cobertura do navio e as mulheres e crianças no interior. “O espaço é muito limitado para tanta gente e mal nos podemos mexer”, relatou.
Alguns portos italianos, como Palermo, na Sicília, ou Nápoles, anunciaram no domingo que podem receber o navio.
“Se um ministro sem coração deixa morrer no mar mulheres grávidas, crianças, idosos, seres humanos, o porto de Nápoles está pronto para os acolher”, escreveu no Twitter o presidente da câmara da cidade, Luigi de Magistris.
Lusa