Em 2014, quase ninguém levou a sério as conclusões de uma investigação da historiadora irlandesa Catherine Corless. As questões que levantou tiveram impacto mediático mundial, mas, no seu país, foram encaradas com ceticismo, mais como rumores precipitados do que outra coisa.
O ponto de partida era a Casa da Mãe e do Bebé, situada numa pequena cidade no oeste da Irlanda, Tuam, no distrito de Galway, que funcionou, entre 1925 e 1961, sob a responsabilidade da Congregação das Irmãs de Bon Secours, para acolhimento de mulheres solteiras grávidas, ali institucionalizadas pelo Governo. “As famílias dessas mulheres tinham medo de que os vizinhos soubessem do que se passava”, explica Catherine Corless. “Engravidar sem ser casada era a pior coisa na Terra, o crime mais grave que uma mulher podia cometer – quando muitos dos casos resultavam de violações. Foram tempos negros, esses, para aquelas mulheres, estigmatizadas pela sociedade e religião.”
As mulheres internadas na Casa da Mãe e do Bebé eram submetidas a trabalhos forçados e a atos de penitência, mas muitas delas conseguiram deixar a instituição e refazer a sua vida bem longe das Irmãs de Bon Secours. Já boa parte das crianças ficaram, e tornou-se um mistério o que lhes aconteceu.
Foi esse enigma que Catherine Corless se propôs deslindar, chegando, em 2014, a uma chocante convicção: centenas de bebés e crianças pequenas, talvez entre 700 e 800, tinham morrido na instituição, e sido enterradas em valas comuns perto da propriedade. Na sua investigação, Corless concluíra que a mortalidade infantil na Casa da Mãe e do Bebé era particularmente alta. A média de mortes de bebés era de dois por semana, vítimas de subnutrição e negligência, ou de doenças como sarampo e gastroenterite.
Esta sexta-feira, 3, a historiadora viu as suas suspeitas confirmadas por um relatório governamental, que resulta de uma investigação oficial aprofundada. O documento revela que foram encontradas “quantidades significativas de restos humanos” em 17 locais de uma vala comum junto à propriedade onde funcionou a Casa da Mãe e do Bebé. As análises posteriormente feitas mostraram que se tratava de restos humanos com idades entre um feto de 35 semanas e bebés com dois e três anos.
“São notícias muito tristes e perturbadoras”, comentou a ministra irlandesa dos Assuntos da Criança e Juventude, Katherine Zappone. “Hoje temos de respeitar a dignidade das crianças que viveram a sua curta vida naquela casa, honrar a sua memória e assegurar que os seus restos mortais vão ser tratados de forma apropriada.”
A comissão governamental irá continuar a investigação e as escavações na propriedade da Casa da Mãe e do Bebé, e até alargar as averiguações a 18 instituições religiosas, usadas pelo Estado para o mesmo efeito, de maneira a apurar o tratamento ali dado a mães solteiras e aos seus bebés, entre 1922 e 1998.
Mais revelações chocantes podem emergir. Mas Catherine Corless considera que o Estado e a Igreja devem desculpas públicas pelo que se passou na Casa da Mãe e do Bebé. Já.