O Estado de Baviera, que deteve os direitos de autor sobre “Mein Kampf” desde o fim da Segunda Guerra Mundial, proibiu o livro durante 70 anos. Livrarias, historiadores e reguladores federais preocupavam-se com o facto de a autobiografia poder ser usada para propaganda da extrema-direita e apenas as autoridades alemãs tinham cópias oficiais do livro ou então profissionais que o solicitavam formalmente. Com o fim do prazo dos direitos de autor sobre o livro, uma nova versão acompanhada de comentários de especialistas foi lançada para venda em livrarias e online, em janeiro do ano passado. Desde aí, cerca de 85 mil cópias foram vendidas. A autobiografia ocupa o segundo lugar em não-ficção na lista de best-sellers da revista alemã Der Spiegel, considerada uma autoridade nos círculos da literatura alemã.
O Instituto de História Contemporânea de Munique disse esta terça-feira que tinha planeado imprimir apenas 4 mil cópias, mas aumentou a produção com base na grande procura. A sexta edição vai chegar às livrarias no final deste mês. Longe de promover a ideologia de extrema-direita, o instituto diz que a publicação enriqueceu um debate sobre a renovada ascensão de “opiniões políticas autoritárias” na sociedade ocidental contemporânea.
O instituto também organizou uma série de apresentações e debates acerca do livro na Alemanha e em outras cidades europeias, o que permitiu medir o impacto da nova edição. “Verificou-se que o medo de que a publicação promovesse a ideologia de Hitler ou até mesmo a tornasse socialmente aceitável e desse aos neonazis uma nova forma de propaganda é totalmente infundado”, disse o diretor do instituto, Andreas Wirsching. “Pelo contrário, o debate sobre a visão do mundo de Hitler e a sua abordagem à propaganda deu a oportunidade de examinar as causas e consequências das ideologias totalitárias, numa época em que as opiniões políticas autoritárias e os slogans de direita estão a ganhar terreno”, acresentou.
Hitler escreveu a autobiografia quando esteve preso em 1924, na prisão de Landsberg, antes de ser chanceler da Alemanha. Mas o livro que está atualmente no topo das listas de best-seller é muito diferente da versão original. A nova edição de 2000 páginas é acompanhada de comentários de especialistas para ajudar a contextualizar os comentários de Hitler. Os editores pensam que essa solução expõe a sua ideologia destrutiva e violenta.
A ministra alemã da Educação e da Pesquisa, Johanna Wanka, membro da CDU, e a Associação Alemã de Professores apoiam o uso da nova edição comentada nas escolas alemãs. “A edição critica… tem precisamente o objetivo de contribuir para a educação política”, disse a ministra.
“Um tratamento profissional de passagens em sala de aula pode ser uma contribuição importante para a imunização dos adolescentes contra o extremismo político”, declarou o presidente da Associação Alemã de Professores, Josef Kraus, à Deutsche Welle.
Perguntado se o livro poderia levar a um maior apoio aos movimentos de extrema-direita, como o Pegida (os europeus patrióticos contra a islamização do Ocidente), Josef Kraus disse que “muito mais perigoso é permanecer em silêncio ou proibir completamente o livro. É mais importante para mim que algo assim possa ser discutido de maneira diferenciada e crítica.”
Nem todos concordam. Charlotte Knobloch, presidente da Comunidade Judaica de Munique e Alta Baviera, diz que “o livro é uma caixa de Pandora, que deve ser fechada para sempre no ‘armário de veneno’ da história”.