Quase nunca é fácil perceber o prémio Nobel da Física. De quando em vez a Academia Sueca premeia a descoberta da led azul ou do grafeno. Mas a regra é o anúncio surgir imerso em palavras desconhecidas. Este ano a frase “matéria exótica no mundo quântico”, seguida da descrição mais exata – “transições de fases topológicas da matéria” – fazia prever o pior. Vale-nos quem trabalha na área, como é o caso de Pedro Sacramento, professor do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico, que organizou um curso para doutorandos, no ano 2000, em que David Thouless, da Universidade de Washington, participou como orador. Os outros dois vencedores, que dividem entre si metade do prémio, são J.Michael Kosterlitz, da Universidade de Brown, e F. Duncan Haldane, de Princeton, todas nos EUA.
Os três “usaram métodos matemáticos para explicar fenómenos estranhos em estados invulgares da matéria, tais como os supercondutores ou os superfluidos”, lê-se na página da organização Nobel. Também estudaram o mundo a duas dimensões e as propriedades “estranhas” que podem ocorrer em determinados estados.
Todos aprendemos que a matéria pode estar em três estados, ou fases: sólido, líquido e gasoso. Mas esta é apenas a forma mais comum de o mundo à nossa volta se apresentar. Manipulando a composição dos materiais (mais uns pozinhos disto, uns pozinhos daquilo) e dispondo-o em camadas muito finas, que o tornam numa superfície bi-dimensional, fazem surgir propriedades nunca vistas – conseguem-se os tais estados ditos “exóticos”. Com temperaturas muito elevadas ou muito baixas, tudo muda. No frio extremo, por exemplo, desaparece a resistência – é o que acontece nos materiais supercondutores.
As descobertas dos três físicos, que começaram por ser previsões matemáticas – recorrendo ao conceito de topologia, um ramo da matemática – para depois serem testadas experimentalmente, já foram feitas na década de 80 do século passado. E não se percebia muito bem como é que os físicos ainda não tinham entrado na galeria Nobel. “É uma grande ideia que tinha ficado esquecida”, nota Pedro Sacramento.
Estas propriedades particulares, muito estáveis, que surgem nos tais estados exóticos, podem ser muito importantes para os computadores do futuro – máquinas extremamente rápidas, que funcionam com recurso às propriedades da física quântica. “Nestes estados consegue-se fluxo de carga sem resistência, o que pode ser usado na computação quântica “, exemplifica Pedro Sacramento. Um mundo onde os computadores são extremamente rápidos, capazes de fazer cálculos muito complexos quase à velocidade da luz e que é uma das maiores expectativas para este século.