“Eu não me visto para ti”
“A minha saia não me faz mais santa nem mais puta”
“A minha saia não é um convite”
“Toma o controlo do teu pénis”
“A tua falta de controlo não é da minha conta”
Quando a polícia chegou às imediações da Escola Secundária Francisco Manyanga, no centro de Maputo, uma escola modelo na cidade, os cartazes estavam num monte, no passeio da Avenida Ho Chin Min, e não chegaram a ser empunhados.
Na véspera, algumas organizações da sociedade civil moçambicana, lideradas pelo Fórum Mulher, tinham usado o email, o Facebook e o Whatsapp para dar as últimas coordenadas para uma intervenção de rua em defesa dos direitos das mulheres e das raparigas na Educação. Ao lado de uma fotografia de miúdas fardadas com saias até ao tornozelo, lia-se: “Porque minha segurança não depende da minha saia”.
Queriam apresentar uma peça de teatro concebida por um grupo de alunas e ler um comunicado de imprensa. Queriam falar da violação de direitos muito para lá da medida tomada pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano de proibir o uso de saias curtas, alegadamente para evitar o assédio sexual, que entrou em vigor no início deste ano letivo em algumas escolas de Maputo. Queriam manifestar-se contra o Despacho n.º 39 que obriga as estudantes grávidas a serem compulsivamente transferidas para o curso noturno, contra os castigos corporais insultuosos e degradantes impostos por alguns professores e contra o aumento do assédio sexual.
De Zaragoza para África
Eva Anadon Moreno nasceu em Zaragoza e tem 34 anos, os últimos quatro passados em Moçambique. Esteve na Gâmbia, trabalhou para as Nações Unidas e mais recentemente colaborava com algumas ONG. No dia 18 março, acabou detida com mais quatro ativistas, durante seis horas. As cinco só seriam libertadas quando Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, uma representante da ONU Mulheres e diplomatas do Brasil, Espanha e França passaram pela 7.ª esquadra de Maputo.
Segundo o jornal @Verdade, as ativistas tinham sido detidas e algemadas alegadamente por cometerem o crime de manifestação ilegal (crime que é punido apenas com registo de identificação); já na esquadra, o comandante terá também falado em atentado ao pudor porque havia cartazes com a palavra “pénis” escrita.
Os cartazes, como já se escreveu, nem chegaram a circular. Mal chegaram ao local, os agentes da polícia terão desatado aos gritos, perguntando quem estava a organizar a ação. Era uma ação conjunta, alguém respondeu. Agarraram, então, nas ativistas de raça branca e confiscaram-lhes cartazes, telemóveis e máquinas fotográficas. Nessa altura, um grupo de jovens afastou-se um pouco e começou a cantar: “Quando as mulheres se unirem, o patriarcado vai cair/Quando as meninas se unirem, o machismo vai cair/Quando as mulheres se unirem, a violência vai cair/Vai cair, vai cair, vai cair…”
As organizadoras não informaram as autoridades porque seria uma ação de pequena dimensão e num passeio, que não iria perturbar a circulação automóvel. “Era mais um ato de defesa dos direitos das mulheres e nada mais”, disse a representante da Marcha Mundial das Mulheres em Moçambique, Graça Sambo. “Foi uma atitude exagerada por parte das autoridades. A nossa preocupação era mostrar que é necessária uma discussão mais séria sobre os abusos nas escolas, encontrando formas práticas e efetivas para resolver o problema.”
Esta semana, Eva recebeu uma ordem de expulsão assinada pelo ministro do Interior moçambicano, Jaime Basílio Monteiro. A sua casa estava sob vigilância desde o passado fim de semana. Foi acusada de violar a lei de forma clara, por “participar numa manifestação ilegal, dirigindo um grupo de menores com uniformes escolares e exibindo cartazes contrários aos bons costumes da República de Moçambique”. Segundo o diário moçambicano O País, não poderá regressar ao país por um período de dez anos.
A embaixada espanhola em Maputo apresentou na quarta-feira uma nota verbal de queixa junto do Ministérios dos Assuntos Exteriores moçambicano e o Ministério dos Exteriores e Cooperação espanhol convocou para uma reunião o embaixador de Moçambique em Madrid. É uma “mensagem clara para silenciar os estrangeiros, a sociedade civil, toda a gente”, disse a espanhola antes de embarcar rumo a Madrid.